Letícia Mori
Da BBC News Brasil em São Paulo

Donos de um sebo no interior do Rio de Janeiro há 12 anos, o casal Luciano Gonçalves e Mariângela Ribeiro descobriu neste ano que estava sendo processado pelo dono de um dos maiores grupos de comunicação e líder de uma das maiores igrejas evangélicas do Brasil.

Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, resolveu acionar a Justiça contra Mariângela por causa de uma placa que o casal colocou em frente à sua loja em 2017.

Na vitrine do pequeno sebo em uma rua discreta na cidade de Resende, o casal havia colocado um banner que convidava a entrar racistas, machistas e homofóbicos, dizendo que ali era uma casa de cultura e inteligência que poderia ajudá-los.

A placa também convidava a entrar pessoas que não consideram a obra de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Edir Macedo uma vergonha para a humanidade.

“Sempre tivemos uma pegada mais de esquerda. A ideia era ser algo divertido”, conta Luciano. “A gente acha que um sebo é diferente de uma farmácia ou outra loja que simplesmente vende produtos. Nós trabalhamos com ideias. E algumas a gente gostaria de ver multiplicadas mais do que outras.”

O banner ficou um longo tempo na frente da loja, e uma foto dele começou a circular na internet. Até que, nas eleições de 2018, quando Bolsonaro venceu a corrida à Presidência, a foto viralizou e foi compartilhada milhares de vezes.

E acabou chegando até Edir Macedo – ou, pelo menos, a seus advogados, que mandaram uma notificação extrajudicial pedindo para que Mariângela retirasse o banner.

O casal resolveu acatar o pedido e retirou a faixa da frente da loja, mesmo acreditando que afixar aquele banner era algo que estava dentro do seu direito à liberdade de expressão.

“Nunca tinha tido nenhum tipo de conflito na Justiça. Então, eu fiquei bastante assustada com a notificação, mesmo sendo extrajudicial (ou seja, sendo apenas um ‘pedido’, sem envolvimento da Justiça)”, conta Mariângela.

Briga nos tribunais

A retirada do banner, no entanto, não aplacou o incômodo do bispo, que mesmo assim entrou com uma ação de danos morais contra Mariângela – que, juridicamente, é a dona do espaço.

Na ação, o bispo pede que o sebo faça uma nota se retratando com a mesma visibilidade da placa original e pede indenização de R$ 25 mil. Na ação, Macedo acusa Mariângela de danos morais e de cometer discriminação religiosa.

Questionada sobre o caso, a assessoria de imprensa de Edir Macedo afirma que um estabelecimento que comercializa livros, “supõe-se que seja administrado por pessoas esclarecidas, que sabem que não há mais espaço no Brasil para o preconceito e o ódio religioso”.

“Trata-se de algo que não pode ser tolerado pela sociedade, nem por parte de grandes redes de lojas, tampouco em comerciantes locais”, afirma.

“Não estamos discriminando ninguém, muito pelo contrário, estamos convidando as pessoas a entrarem”, diz Luciano. “E em nenhum momento citamos a religião no banner”, diz ele, que oferece em seu sebo diversos livros religiosos, incluindo de líderes evangélicos.

“Minha crítica é à obra dele, uma opinião que eu tenho todo o direito de ter. Não estou xingando a pessoa dele nem falando mal da religião.”

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Banner na entrada do sebo sugere que obras de Bolsonaro, Malafaia e Edir Macedo envergonham a humanidade.

Para os advogados do casal, Apolo Luis Hager e Renata Gonçalves Santos, não houve nenhum tipo de dano moral causado a Macedo pela placa, que apenas continha uma “opinião dos proprietários sobre a obra de Edir Macedo”.

“Eles estavam manifestando seu direito à liberdade de expressão. Temos confiança de que a Justiça nos dará ganho de causa”, afirma Gonçalves.

Na terça, 18, os dois lados foram convocados para uma audiência de conciliação pelo juiz responsável pelo caso, mas não chegaram a um acordo.

‘Resistência’

A placa não foi a primeira manifestação política feita pelo sebo. “Desde que a gente surgiu a gente faz esse tipo de coisa”, conta Luciano.

A posição política dele e de Mariângela – que são declaradamente “de esquerda e feministas” – fica clara pela decoração da loja, que tem foto da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada no ano passado, e uma seção sobre os “anos de resistência à covarde ditadura de 64”.

Luciano diz que a loja já foi atacada anteriormente por causa da posição política do casal. “Um professor de artes marciais, discípulo do [presidente Jair] Bolsonaro, entrou aqui derrubando prateleira, me ameaçando”, conta.

Os argumentos de Edir Macedo

“O tamanho da ofensa não pode ser medido pela importância do ofendido”, disse, em nota, a assessoria de imprensa de Edir Macedo, perguntada sobre o possível dano que uma placa em frente a um sebo no interior do Rio de Janeiro pode causar a um líder religioso tão conhecido.

“Um ator famoso que é vítima de preconceito racial em um restaurante não deveria reagir ou se sentir ofendido pelo crime praticado contra ele, enquanto um cliente anônimo pode?”, pergunta a assessoria em nota assinada pela Unicom – Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais da Universal.

O texto da Unicom também afirma que a eventual indenização por danos morais será doada a uma entidade filantrópica, “a Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS), que presta auxílio a pessoas com deficiência intelectual, desde 1952”.

A entidade tem parcerias com o braço social da TV Record, que pertence a Edir Macedo.

Fonte: BBC Brasil

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