O encontro entre duas das maiores figuras deste início de século, o papa Bento 16 e Barack Obama, foi, como tinha de ser, uma oportunidade para salientar as diversas concordâncias entre ambos, especialmente na vontade de um mundo mais justo e pacífico, deixando de lado outras diferenças importantes em termos de doutrina moral.

Esta não era uma visita qualquer para Obama. A prova é que pela primeira vez desde que se tornou presidente chegou a um encontro na hora exata, nem um minuto depois. Sabia que teria pela frente talvez o único homem que pode lhe fazer sombra hoje quanto à universalidade, influência e número de seguidores.

O papa e o presidente dos EUA conversaram sozinhos durante cerca de meia hora na biblioteca do Vaticano, onde no final uniu-se a eles a primeira-dama americana, Michelle Obama. O papa perguntou a seu convidado sobre os resultados da reunião do G8 (a cúpula dos países mais ricos do mundo), ao que Obama respondeu que foi “muito produtiva”. Diante do ruído incessante das câmeras fotográficas, o papa comentou ao presidente que ainda não se acostumou a ser fotografado.

Apesar de protestante, Obama sabe da importância da Igreja Católica, que o subvencionou e ajudou consideravelmente durante sua fase de ativista social em Chicago. Também conhece suas normas de fé, que aprendeu quando menino em uma escola católica na Indonésia.

E agora também conhece o poder de convicção de Bento 16, com quem havia falado antes por telefone, mas ao qual vê pela primeira vez. A agenda da reunião incluía muitos dos temas que Obama tinha tratado pouco antes em L’Aquila: a luta contra a fome, a deterioração do meio ambiente, o perigo da proliferação nuclear e outras ameaças para a paz mundial, especialmente no Oriente Médio.

“Há assuntos nos quais estão de acordo, outros em que discordam e outros em que concordam em continuar trabalhando”, explicou o vice-assessor nacional de Segurança da Casa Branca, Denis McDonough.

Se na verdade houve desacordos, ficaram muito bem dissimulados por um ambiente de grande cordialidade. Embora se pudesse crer que o papa, um conservador em matéria de doutrina, se sentisse mais à vontade com George Bush, a verdade é que possivelmente se criou uma relação muito mais cálida e produtiva com Obama, tão famoso dentro dos muros do Vaticano quanto fora.

A mensagem de Obama frequentemente tem um tom de espiritualidade e transcendência que coincide bastante com a dessa instituição. Embora não seja um fanático religioso, na biografia do presidente americano se sente a influência de sua fé, que ele viveu tanto da perspectiva social como pessoal. É um homem que se liga à tradição religiosa de sua sociedade, mas também defende o caráter laico de sua legislação, e que pronunciou discursos memoráveis sobre o fato religioso, incluindo um na Universidade de Notre-Dame, um símbolo do poder católico nos EUA. Para decepção da esquerda de seu partido, Obama não eliminou, por exemplo, as ajudas oficiais que Bush aprovou para organizações religiosas com fins sociais.

Obama também está promovendo alguns dos projetos que melhor cabem na agenda do Vaticano: a paz entre israelenses e palestinos, o desarmamento, a multilateralidade das relações internacionais e, em prazo mais curto, a reforma do sistema financeiro.

Precisamente à humanização do capitalismo se referiu a última encíclica de Bento 16, que na sexta-feira a deu de presente a Obama. Um texto sobre a necessidade, compartilhada pelo presidente, de impor maiores controles à atividade financeira para evitar a ganância e desastres como o que ainda afeta a economia internacional.

Mas há obviamente outros assuntos em que a relação entre esses homens inteligentes e pragmáticos será mais difícil, o que tem a ver com as responsabilidades dos governos nas questões que a Igreja considera de moral pessoal, como o aborto ou a pesquisa com células-tronco embrionárias.

Obama é partidário de proteger legalmente ambos os direitos. O papa, pelo contrário, os considera um atentado à dignidade do ser humano. Mas também nisto fizeram ontem uma aproximação.

“O presidente se refere frequentemente à crença fundamental de que cada pessoa é dotada de dignidade, que a dignidade das pessoas é uma força condutora para cumprir, por exemplo, uma política de desenvolvimento ou uma política externa”, comentou McDonough.

Fonte: El Pais

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