O salão com cortinas de cetim barato azul, mancha de mofo no teto e um altar de fórmica imitando mármore do templo da Renascer em Cristo do bairro do Bixiga, região central da cidade, tinha espaço de sobra e fiéis de menos ontem, no culto das 20h.

Apenas 19 assistiam à cerimônia religiosa conduzida pelo pastor Douglas Gutierres, 38 -normalmente são mais de 30, disse um obreiro.

Os mortos e feridos no desabamento do telhado de uma das igrejas Renascer não foram nem sequer mencionados.

O tema do dia era “Vencendo Desafios Maiores”. Faz parte da “Campanha de Jejum de Davi”, programada bem antes do acidente deste domingo.

Mas o pastor, no meio da leitura de Isaías 1.19, “Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra”, aproveitou para encaixar uma censura em código aos discípulos hesitantes: “Tem fiel que ouve as palavras do inferno e sai repetindo”; “E agora que caiu? Como fica a igreja? A igreja acabou, o céu caiu. Esse fiel repete as palavras do inferno”. Era uma referência aos comentários feitos dentro do rebanho a respeito do desabamento da véspera.

Douglas Gutierres é parecido fisicamente com o apresentador Luciano Huck -até no nariz proeminente, que ele mesmo ironiza. Também na simpatia. O silêncio sobre os mortos e feridos dentro da igreja barulhenta (sempre com a banda gospel) ele explica assim: “Nós acreditamos na vida eterna. Para nós eles não morreram”.

Do noticiário, o pastor escolheu falar do jogador Kaká, o mais vistoso fiel da Renascer. “Ele saiu do São Paulo, vendido por R$ 8 milhões. Agora querem comprá-lo por R$ 300 milhões. E o Kaká diz que quer pensar.” Símbolo do sucesso acessível ao dizimistas, Kaká é a deixa para o pedido:
“Pegue o envelope que está na sua cadeira”; “Deus pode dar sempre mais”. E logo um obreiro passa para recolher o dinheiro. Um depois do outro, todos depositaram o seu envelope no saco do obreiro. Ontem, eles estavam vazios.

Fonte: Folha de São Paulo

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