O debate sobre o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, nesta terça-feira, mostrou que há profundas divergências em relação ao texto do acordo entre o Brasil e a Santa Sé, assinado pelo presidente Lula em novembro de 2008 no Vaticano (foto).

Um dos pontos questionados foi a constitucionalidade do texto. Vários parlamentares e a professora de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), Roseli Fischmann, convidada do debate, lembraram que o Brasil é um Estado laico e reclamaram de um certo privilégio à Igreja Católica.

Na avaliação da pesquisadora, o texto inibe a atuação do Parlamento, muda a relação jurídica do Estado brasileiro com as religiões e fere o artigo 19 da Constituição.

“O acordo do Brasil com a Santa Sé é um tipo de aliança juridico-religiosa e o artigo 19 diz que é proibido à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal firmar aliança com as religiões ou seus representantes”, destacou Roseli Fischmann.

Temas do acordo

O texto, que precisa da aprovação do Congresso para entrar em vigor, garante imunidade tributária às entidades eclesiásticas, reforça a não existência de vínculo empregatício entre religiosos e as instituições católicas e trata do funcionamento de seminários e instituições católicas de ensino, além de questões ligadas à educação religiosa e ao casamento.

Em relação às prerrogativas concedidas à religião católica o texto procura ressaltar que elas devem se coadunar com a Constituição e as leis vigentes, além de se estender às outras confissões religiosas, de forma isonômica.

Perspectiva laica

Já o ministro-chefe da Divisão de Europa I do Ministério das Relações Exteriores, Cláudio Raja Gabaglia Lins, garantiu que o acordo está em plena conformidade com a Constituição e apenas sintetiza o que já existe na legislação brasileira. Segundo Lins, o tratado, que foi intensamente discutido e negociado entre as partes, é com a Santa Sé e não com a religião católica.

“É um acordo com um Estado dotado de personalidade jurídica internacional, com um Estado soberano, para tratar de aspectos da atuação da Igreja Católica em diferentes áreas. Todos os órgãos envolvidos se ativeram cuidadosamente à Constituição e à legislação brasileira, dentro de uma perspectiva laica, com absoluto respeito às religiões, sem nenhum ânimo de causar nenhum privilégio”, ressaltou.

Votação na quarta

O relator da matéria na comissão, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), já apresentou parecer favorável à aprovação do acordo e acredita que outras religiões também vão se beneficiar com o texto. O relatório pode ser votado pela comissão nesta quarta-feira (8).

“Esse acordo está dando garantias às outras confissões religiosas e, por isso, representa um reforço para a liberdade religiosa no Brasil. Não vejo nenhuma inconstitucionalidade, assim como o próprio governo também não viu por meio dos estudos que fez em diversas áreas”, disse o parlamentar.

O acordo entre Brasil e Vaticano, encaminhado pelo Executivo na forma da mensagem 134/09, tramita em regime de urgência e ainda será analisado nas comissões de Educação e Cultura; de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Deputados divergem sobre ensino religioso previsto no acordo

Vários deputados presentes na audiência pública para debater, nesta terça-feira, o acordo entre o Brasil e a Santa Sé assinado pelo presidente Lula em novembro de 2008 no Vaticano reforçaram problemas existentes no texto, principalmente no artigo que trata do ensino religioso nas escolas.

O deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que pediu a audiência pública, argumentou que o Legislativo não tem a prerrogativa de legislar criando disciplinas no sistema de ensino, enquanto o tratado cria a disciplina de educação religiosa não só católica como para todas as religiões. Isso pode, na opinião do parlamentar, causar um verdadeiro caos nas escolas.

O deputado Pastor Pedro Ribeiro (PMDB-CE), que disse ter visto “múltiplas inconstitucionalidades” na proposta, apresentou um documento do Ministério da Educação contrário ao artigo que trata do ensino religioso na forma em que está redigido.

Constrangimentos

Para o deputado Jefferson Campos (PTB-SP), também autor do requerimento para a realização do debate, existe a preocupação de que o ensino religioso possa criar constrangimentos às crianças de minorias religiosas. “Também não fica claro como seria organizado o espaço e o tempo no currículo para as numerosas confissões religiosas, nem como seria custeado esse ensino”, disse.

Na avaliação do deputado Ivan Valente (Psol-SP), o tratado não segue a legislação brasileira, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) trata do ensino religioso de forma genérica, sem mencionar nenhuma confissão religiosa. Ao acrescentar a expressão “católico e de outras confissões”, ressalta, a proposta de acordo fere a laicidade do Estado e vai na contramão do que seria desejável: um Estado que caminhe para uma laicidade cada vez mais completa.

Já o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) discorda dessa opinião e considera que a separação Igreja-Estado está mantida no texto e “é benigna”. “É uma relação cooperativa, e o tratado dará segurança jurídica à presença da Igreja Católica no Brasil”, defendeu.

O deputado Nilton Mourão disse não estar convencido de que o Estado brasileiro seja totalmente laico, pois “o Brasil se insere numa tradição espiritual cristã”, como demonstra a presença do crucifixo e da Bíblia no plenário da Câmara e o próprio preâmbulo da Constituição brasileira, promulgada “sob a proteção de Deus”.

Parlamentares criticam problemas específicos do texto

O acordo entre o Brasil e a Santa Sé assinado pelo presidente Lula em novembro de 2008 no Vaticano considera que não há vínculo empregatício no trabalho dos padres, freiras e fiéis voluntários, não gerando obrigações trabalhistas para as instituições religiosas.

O deputado Dr. Rosinha (PT-PR), na audiência pública realizada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional para debater o texto do acordo, ressaltou que esses religiosos, caso mudem de convicção após anos de atividade, se encontrariam sem nenhuma garantia, como aposentadoria ou assistência médica, e terminariam certamente onerando o próprio Estado.

O deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) entendeu que, de fato, o missionário não é empregado da sua igreja, mas que esta poderia orientá-lo para que contribua como autônomo e contrate plano de saúde particular.

Casamentos

O parlamentar também questionou a previsão de que as sentenças eclesiásticas sobre matéria matrimonial devam ser homologadas “nos termos da legislação brasileira sobre a homologação das sentenças estrangeiras”. Dr. Rosinha levantou a hipótese de que isso possa impedir ou retardar uma separação ou divórcio, caso um dos cônjuges resolvesse recorrer a um tribunal eclesiástico estrangeiro.

O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) questionou qual seria, de fato, a razão do acordo se, acredita, tudo o que ele contém já está incluído na Constituição ou na legislação ordinária. “Se no futuro fossem feitas alterações na LDB em itens incluídos nesse acordo, por exemplo, o Brasil precisará do aval do Vaticano para mudar a lei brasileira?”, questionou.

O deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB), por sua vez, acredita que o acordo subordina tudo à legislação brasileira. “Não há qualquer engessamento, para mudar o acordo basta mudar a legislação”, conclui.

Forças Armadas

Outro item muito questionado foi o último artigo do acordo, que ressalva “situações jurídicas constituídas” em um acordo assinado em 1989 com a Santa Sé, sobre a Assistência Religiosa às Forças Armadas.

O deputado André Zacharow (PMDB-PR) entende que esse acordo militar não tem valor, pois não veio ao Congresso, embora criasse ônus para o governo, e tampouco foi objeto de um decreto presidencial de promulgação. O parlamentar explicou que é um instrumento que não está em vigor no plano da ordem jurídica, mas reconhece a existência de um arcebispado militar do Brasil. Zacharow pediu que seja esclarecida a situação desse instrumento, e se ele será convalidado no texto da atual proposta.

O deputado Takayama (PSC-PR) considerou estranha a “tentativa de passar às pressas uma medida que não foi discutida”. O parlamentar criticou a omissão da mídia em relação ao acordo e a dificuldade de se realizar uma audiência pública para discutir a proposta.

Advogado e colunista do FolhaGospel comenta sobre o assunto

O advogado, colunista do portal FolhaGospel, professor Universitário, Especialista em Direito Religioso e Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – Rio de Janeiro, Gilberto Garcia, escreveu em sua coluna “Direito Nosso”, seis artigos comentando sobre o Novo Estatuto da Igreja Católica. Acesse a paginado colunista Gilberto Garcia clicando [url=http://www.folhagospel.com/htdocs/modules/soapbox/column.php?columnID=6]aqui[/url].

Íntegra da proposta: [url=http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=426554]- MSC-134/2009[/url]

Fonte: Agência Câmara

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