Gravações em que o ex-cardeal Godfried Danneels pede a uma vítima para não revelar que sofreu abuso sexual de um bispo estão amplificando um dos piores escândalos que já atingiram a Igreja Católica Apostólica Romana.

As fitas, gravadas secretamente pela vítima, foram publicadas em dois jornais belgas no sábado e mostram o antigo líder da Igreja na Bélgica pedindo para uma vítima que aceite um pedido de desculpas em particular ou espere um ano para que o bispo se aposente antes de tornar o caso público.

O encontro aconteceu no dia 8 de abril, num momento em que o Vaticano estava sob ataque por ter tentado encobrir casos de abuso sexual por padres em outros países.

Um porta-voz de Danneels negou que arcebispo de Bruxelas tivesse tentado encobrir o caso, que causou a renúncia repentina do bispo de Bruges, Roger Vangheluwe, 73, naquele mês. Contudo, as fitas mostram o arcebispo pedindo silêncio.

O porta-voz da Igreja na Bélgica, Jurgen Mettepenningen, confirmou à Reuters que as transcrições que apareceram nos jornais De Standard e Het Nieuwsblad eram genuínas.

“Lendo-se o que ele disse se vê que ele estava tentando evitar que o caso se tornasse público depois de tantos anos. É contenção, nada mais”, escreveu o De Standaard num comentário, acusando Danneels de não ter compaixão.

A Igreja sofreu no último ano por conta de dois relatórios detalhados do governo da Irlanda sobre o abuso sexual e uma onda de acusações de abuso na Alemanha, Suiça, Áustria, Bélgica e Holanda. Cinco bispos já renunciaram por causa dos escândalos.

Documentos oficiais e cléricos publicados nos Estados Unidos este ano mostram como bispos americanos e o Vaticano lidaram com padres predadores sem informar à polícia dos crimes.

[b]Raro relato detalhado [/b]

As fitas belgas são um raro relato detalhado de como um líder da Igreja Católica tentou persuadir uma vítima, o sobrinho de 42 anos de Vangheluwe, a ficar quieto sobre o caso.

Elas surgiram justo quando uma investigação policial sobre o escândalo estava prestes a cair por terra depois que uma invasão da polícia à residência de Danneels para apreender documentos foi considerada ilegal e as provas coletadas durante a ação foram anuladas no tribunal.

Em sua reunião privada, a vítima diz que sente ser sua obrigação relatar o caso à alta hierarquia da Igreja e pede ajuda a Danneels. O cardeal responde pedindo que a vítima não torne o caso público.

“O bispo vai renunciar no ano que vem, portanto eu acho que seria melhor você esperar”, diz o cardeal, segundo as fitas. “Acho que você fará um favor a si próprio e a ele se não sair gritando o caso por aí.”

O homem pede ajuda, mas Danneels, que havia renunciado do arcebispado em janeiro, diz que não pode disciplinar o bispo nem informar o Papa Benedito. O bispo deveria se entregar, ele diz.

Danneels diz à vítima que ele não deve tentar chantagear a Igreja e pede a ele que peça perdão e aceite um pedido de desculpas particular do bispo em vez de “afundar seu nome na lama”.

“Ele afundou minha vida inteira pela lama dos cinco anos aos 18”, diz a vítima, que nega estar tentando chantagear alguém. “Por que você sente tanta pena dele e nenhuma de mim?”

[b]Segunda fita [/b]

Numa segunda fita, Danneels e Vangheluwe encontram-se com a vítima e um de seus parentes. O bispo pede desculpa e diz que durante anos buscou uma maneira de buscar perdão pelo que ele fez.

“Isso não tem solução”, responde o parente. “Você destruiu nossa família.”

Vangheluwe renunciou no dia 23 de abril, admitindo que havia abusado sexualmente “um garoto que me acompanhava” há aproximadamente 20 anos.

Segundo o De Standaard, ele saiu do cargo depois que um parente da vítima enviou um email a todos os bispos belgas exigindo que ele renunciasse até o fim de maio.

O jornal disse que a vítima decidiu trazer a público as fitas para responder a acusações de que ele havia tentado extorquir dinheiro chantageando Vangheluwe.

Em sua defesa, o porta-voz de Danneels Toon Osaer disse que o cardeal nunca quis encobrir o caso e que ele havia falado sobre o caso numa coletiva de imprensa no dia 24 de abril.

[b]Fonte: Estadão[/b]

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