Os cidadãos, conhecidos por seu fervor religioso, encontraram um modo próprio de reagir: eles mesmos reforçaram a vigilância.

Cholula, uma pequena e pitoresca cidade a 130 km a sudeste da Cidade do México, teria uma igreja para cada dia do ano. Na realidade, são cerca de 80, muitas das quais datadas do século 17 e cheias de pinturas e esculturas da época. É o que basta para atrair multidões de fiéis -e ladrões.

Na Igreja de Santa María Acuexcomac, uma moldura dourada vazia pende junto à entrada. Ficaram só as bordas recortadas da tela, onde os ladrões mergulharam seus canivetes. Sombras em forma de anjos, marcadas por anos de luz do sol, hoje aparecem nas paredes de onde foram arrancadas esculturas.

O roubo de arte religiosa não é novidade aqui, mas um assalto em outubro, quando pelo menos uma dúzia de imagens foram levadas, algumas com a ajuda de andaimes, deixou a cidade em alerta.

Soma-se a isso o aumento da atividade das gangues e autoridades em geral alheias e mal equipadas. Os cidadãos, conhecidos por seu fervor religioso, encontraram um modo próprio de reagir: eles mesmos reforçaram a vigilância.

Um sistema de vigilância humano para igrejas existe desde os tempos coloniais, mas, com o aumento dos roubos, algumas igrejas duplicaram o número de voluntários, acrescentaram plantões noturnos e armaram seus protetores. “Cholula passou de uma cidade tranquila para o completo oposto”, disse Rufino Arenas, que ajuda a proteger Santa María Acuexcomac, a igreja de sua infância.

Herminio Toxqui mudou sua família para uma sala atrás do altar da Igreja da Santíssima Trindade, que foi quase totalmente saqueada em 2008. Assim, ele sempre está alerta para tocar o sino se detectar alguma atividade suspeita.

Em San Gregorio Zacapechpan, pilhada em 2010, foram montados plantões obrigatórios para todos os homens saudáveis. Eles devem estar preparados para enfrentar bandidos armados. “As pessoas sabem que quando vêm fazer a vigia devem trazer suas armas”, disse o reverendo Patricio Solís Soriano, capelão da igreja.

Até os migrantes de Cholula que moram nos Estados Unidos, a maioria nos Estados de Illinois e de Nova York, estão envolvidos. Eles organizaram um evento para angariar fundos depois de um roubo recente. Compraram e enviaram câmeras de vídeo que se escondem nos arcos de San Gregorio Zacapechpan.

Muitos membros da comunidade, porém, não têm consciência do valor das obras de arte. “Nem mesmo nossos bisavós sabiam”, disse uma mulher na missa de Santa María Acuexcomac.

Os envolvidos nos furtos têm uma noção melhor de como esse negócio é lucrativo. Pinturas de temas religiosos do século 18 do artista mexicano Miguel Cabrera foram vendidas por US$ 362.500 em 2010, segundo uma publicação on-line da casa de leilões Sotheby’s.

Esforços de autoridades mexicanas, americanas e outras para encontrar pinturas religiosas roubadas muitas vezes falham porque poucas obras foram catalogadas. Apesar dos planos do Instituto Nacional de Antropologia e História do México e do Ministério da Justiça de criar catálogos, a documentação permanece incompleta e descentralizada.

A situação espalhou tristeza e ceticismo entre comunidades antes confiáveis.

“Muitas vezes os ladrões já estão lá dentro. Às vezes são os mesmos que têm a chave da igreja”, disse Jorge Segovia, que está encarregado de um projeto de catalogação de arte para a Arquidiocese do México.

Hoje, quando rostos novos entram nas igrejas de Cholula, eles provocam desconforto e alerta -uma perda de confiança e de boa vontade que as pessoas lamentam. Segundo os fiéis, os ladrões não levaram apenas arte. “Eles estão roubando nossa fé”, disse Arenas.

[b]Fonte: The New York Times via Folha de São Paulo[/b]

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