Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos
Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos

Jamil Chade
UOL

A guinada conservadora do Itamaraty na ONU ganhou um novo capítulo nesta segunda-feira, com o governo de Jair Bolsonaro insistindo para a inclusão do reconhecimento a grupos religiosos numa resolução para eliminar todas as formas de violência contra a mulher.

Desde a semana passada, diplomatas brasileiros receberam instruções para vetar nos textos dos documentos a serem votados na ONU uma série de termos. O mais polêmico deles foi “gênero”, amplamente usado em resoluções nos últimos 25 anos.

Nesta segunda-feira, numa reunião convocada pelo Canadá para negociar o rascunho de sua resolução sobre o combate à violência contra a mulher, o Brasil fez um novo pedido: incluir o reconhecimento do papel de grupos religiosos na promoção dos direitos das mulheres e na proteção de meninas.

No jargão diplomático, o termo usado é “grupos baseados na fé”.

O Brasil ainda deu uma opção: se tal inclusão não fosse aceita na resolução pelos demais países, então a sugestão era de que se retirasse do parágrafo todas as referências aos demais grupos da sociedade civil. Entre as referências que seriam eliminadas, neste caso, estaria o termo “grupos feministas”.

Quem saiu em apoio ao Brasil foi o governo do Egito, um dos que lideram o grupo de estados autoritários muçulmanos e tenta impedir que textos da ONU possam ampliar direitos.

Para diplomatas latino-americanos, a iniciativa do Brasil deverá ter o apoio dos grupos islâmicos, justamente para tentar imprimir a visão dessa religião também na forma pela qual a questão da mulher é tratada.

Já outros negociadores viram a ação brasileira como uma manobra hábil para tirar do texto a referência a grupos feministas. Como dificilmente a inclusão de um parágrafo sobre grupos religiosos seria aceita, a barganha poderia terminar com a eliminação de todos os grupos, principalmente os feministas.

A resolução vai à votação em 15 dias.

Horas depois, numa outra reunião na ONU para debater outra resolução, uma vez mais o Brasil pediu a palavra para indicar que quer a inclusão do termo “grupos religiosos” em outro texto. A atitude que se repetia foi vista por governos estrangeiros como uma demonstração de que a guinada religioso do governo será ampla.

Para o Itamaraty, ou a lista de grupos da sociedade civil devem ser eliminados ou ela deve incluir grupos religiosos. Para a UE e Austrália, é importante que os nomes das entidades da sociedade civil estejam no texto, principalmente para deixar claro o posicionamento de grupos feministas.

Momentos depois, ainda no mesmo rascunho de uma resolução proposta pelo México sobre o combate à discriminação contra a mulher, mais uma vez o Brasil pediu a palavra em duas ocasiões para solicitar que organizações religiosas fossem incluídas no texto.

Dentro do governo, não há qualquer mistério sobre a influência importante de grupos evangélicos em diversos ministérios. Mas, até agora, a formulação da política externa havia sido preservada. As novas orientações revelam que, apesar de o estado ser laico, o governo Bolsonaro não hesitará em defender menções a grupos religiosos e uma visão do mundo com base em uma certa fé.

Assim como já ocorreu em outras três resoluções, o Brasil voltou a pedir nesta segunda-feira aos canadenses e mexicanos que eliminassem todas as referências ao termo “gênero”. A delegação brasileiro indicou que não teria como ser flexível sobre esse ponto e que iria defender a “fatos biológicos: homem e mulher”.

A atenção do governo com o assunto é de tal dimensão que, num encontro sobre a negociação de uma resolução sobre tráfico de armas, o que o Itamaraty queria era a eliminação da palavra “gênero”.

Numa outra reunião, o governo brasileiro indicou que, em seu entendimento”, o “gênero é biológico”. Imediatamente, o governo do México reagiu, insistindo que gênero é um termo já aceito de forma internacional, que faz parte de tratados e que não será flexível sobre esse ponto.

O Itamaraty ainda deu seu apoio aos russos, principalmente quando o Kremlin sugeriu que o termo “acesso universal à saúde reprodutiva e sexual” fosse eliminado. Para o Brasil, isso sugeriria o direito ao aborto.

O governo brasileiro também deu seu apoio para propostas do Egito e do Paquistão, todas elas no sentido de não aplicar o reconhecimento de direitos.

Mas o Itamaraty viu, uma vez mais, uma forte oposição por parte dos países Ocidentais. A UE, por exemplo, indicou que todas as referências a gênero deveriam permanecer, a mesma posição adotada pela Colômbia, Austrália, Israel, Uruguai e França.

O governo do México foi um dos mais contundentes na crítica ao Brasil. Segundo a delegação do país latino-americano, já existem cerca de 200 resoluções e declarações aprovadas internacionalmente com a referência à “gênero”. Uma ação do Brasil para desmontar esse arcabouço significaria um retrocesso de 25 anos nos avanços da linguagem diplomática.

Fonte: UOL – Jamil Chade

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