Diante da falta de padres, a Igreja Católica da Alemanha está recrutando um número crescente de pregadores no exterior.

Benjamine Gaspar, por exemplo, é originário da Índia e agora conduz sermões em uma igreja localizada na cidade alemã de Bocholt.

Quando Benjamine Gaspar ouviu pela primeira vez o nome da diocese –Münster– ele se ajoelhou e orou. Ele se lembra de que, em seguida, se levantou, sentou-se na frente de seu computador e procurou o nome da diocese na Wikipedia, onde ficou sabendo que Münster é uma cidade situada no noroeste da Alemanha, tem uma população de 300 mil habitantes, é a sede de um bispado e é conhecida como a “cidade das bicicletas”.

Gaspar, 32, é um indiano católico. Quando ficou sabendo de sua mudança para Münster, em 2012, ele morava na cidade indiana de Chennai, onde circulava vestindo jeans, camisa polo branca e sandálias.

Desde o início, Gaspar parecia aberto e animado com sua aventura alemã. “Deus tem um plano”, disse o padre Benjamine, como sua antiga congregação o chamava. “Deus sabe para onde nos envia”. Atualmente ele trabalha para a Diocese Católica de Münster, na cidade de Bocholt, próxima da fronteira com a Holanda.

A época em que os missionários alemães se aventuravam pelo mundo se encerrou há muito tempo. Nos dias de hoje, a Igreja Católica da Alemanha tem enfrentado uma escassez de novos sacerdotes. Quase 10% dos sacerdotes católicos da Alemanha (ou cerca de 1.300) são estrangeiros –e muitos são originários da Índia. A Spiegel visitou Gaspar tanto em sua Índia natal quanto na Alemanha.

[b]Chennai, Índia, maio de 2012
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Benjamine Gaspar olha para o Oceano Índico, onde o horizonte é apenas uma linha brilhante sob o calor do meio-dia. Ele está prestes a embarcar em uma longa viagem.

Gaspar faz parte de uma comunidade chamada “Sociedade Missionária dos Mensageiros da Boa Nova”, cujos membros pregam em igrejas do mundo inteiro. Para o jovem, seu compromisso com a igreja é também uma oportunidade de conhecer o mundo. “Minha família é cristã há dez gerações”, diz Gaspar, que observa que, talvez, seus antepassados tenham encontrado o caminho para a fé cristã por meio dos missionários europeus. “O fato de eu ter podido me tornar padre e que agora eu esteja indo para a Alemanha é como um sonho transformado em realidade”, diz ele.

O jovem sacerdote não decide para onde será enviado. A burocracia da Igreja Católica é que decide por ele. Suas habilidades linguísticas não são um fator decisivo. “Nós fazemos o nosso melhor, independentemente de para onde somos enviados”, diz Gaspar. Deus não conhece fronteiras, acrescenta ele.

Mas as autoridades alemãs conhecem. Para obter um visto, o padre Benjamine tem de provar que fala pelo menos um pouco de alemão. É por isso que ele manobra sua moto pelas ruas movimentadas de Chennai todas as manhãs, passando por favelas e opulentas mansões coloniais durante uma jornada de cerca de 20 quilômetros entre o seminário e o Instituto Goethe.

O centro de idiomas funciona em um prédio moderno de concreto e vidro, com um terraço com vista para o mar turbulento. Durante seis horas por dia, Gaspar luta com a pronúncia e a sintaxe alemãs e, geralmente, após seu culto noturno na igreja, gasta mais tempo memorizando o vocabulário. Espera-se que em cerca de três meses o jovem sacerdote esteja pronto para se comunicar de forma eficaz durante seu dia a dia na Alemanha.

[b]Desafios do idioma
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O professor de Gaspar, Jerome Rajan, chama seu curso de alemão de “minha aula santa”. Às vezes, metade dos assentos da sala de aula de Rajan estão ocupadas por sacerdotes tímidos e diligentes. Na verdade, a falta de padres na Alemanha é responsável pelos cursos de alemão lotados na Índia, país localizado a mais de 10 mil quilômetros de distância.

Os sacerdotes indianos tendem a falar Inglês fluentemente, a terem diploma de ensino médio e terem concluído sua formação em seminários. “Mas muitos vêm de famílias pobres”, explica o professor, “e nem todos são tão bons em línguas como Benjamine”. Para eles, diz Rajan, é um grande desafio alcançar os objetivos do curso e não decepcionar suas ordens nem suas famílias.

Será que o curso de alemão está verdadeiramente os preparando para a vida cotidiana como sacerdotes na Alemanha? Às vezes, Gaspar se mostra cético. A lição de hoje em seu livro de alemão tem o título de “caça à pechincha”. Um dos exercícios enuncia: “eu comprei um novo relógio cuco de você há dois dias. Mas eu gostaria de devolvê-lo”. Gaspar ignora o exercício e folheia o livro.

Ele tem uma agenda apertada, especialmente nos fins de semana, o que deixa pouco tempo para que ele pratique seu alemão. Em algumas congregações, a missa é rezada oito vezes aos domingos, e cada sacerdote pode conduzir até quatro cultos por dia. Durante um culto na congregação de Gaspar, entre 500 e 600 pessoas se sentam em cadeiras de plástico brancas simples. Quando a missa é conduzida em Tamil, a língua local, a frequência pode chegar a 2 mil pessoas. No verão, quando as temperaturas atingem 45 graus Celsius, a frequência nas missas é especialmente elevada nas primeiras horas da manhã, às 5h ou 6h.

A maioria dos fiéis é composta por mulheres jovens envoltas em luminosos saris nas cores azul cobalto e cor de rosa, e muitas delas carregam bebês em seus braços. Alguns homens usam as tradicionais calças de algodão chamadas de dhoti, que se assemelham a uma saia-envelope.

Os cristãos são minoria na Índia, onde compõem cerca de 2,3% da população. Mas, considerando-se o fato de que a Índia é um dos países mais populosos do mundo, esse total chega a 28 milhões de pessoas. O sul da Índia abriga um número particularmente grande de cristãos, cujas raízes remontam aos chamados cristãos Saint Thomas. Supostamente, o apóstolo Thomas teria chegado à Índia em 54 D.C., o que tornaria a igreja cristã na Índia mais antiga do que a da Europa.

Os cristãos de Chennai cantam em alto e bom som. O culto, realizado ao ar livre sobre a grama e sob a luz de holofotes, é permeado por um cheiro de incenso e de mangas maduras. A sequência mal difere de uma missa na Alemanha, uma vez que a liturgia da Igreja Católica é a mesma em todos os lugares. Gaspar abre os braços e abençoa as crianças.

“Eu estou muito animado com os cultos que vou conduzir na Alemanha”, disse Gaspar. Ele ouviu dizer que a frequência à igreja na Alemanha está em declínio, mas não entende o porquê dessa tendência. Será que os alemães estão perdendo sua fé? Ou será que eles estão apenas perdendo sua fé na igreja? “Em todo caso, eu quero ajudar a mudar isso”, diz ele.

[b]Bocholt, Westfália, outono de 2013
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“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Gaspar faz o sinal da cruz quando o culto chega ao fim e olha para sua nova congregação em Bocholt. De pé em frente a um altar barroco gigantesco, ele cruza as mãos levemente sobre o peito. Ele acentua cada palavra que diz em alemão: “Eu. Desejo. A todos. Vocês. Um. Bom dia”. Em seguida, ele sorri.

“Ele está realmente se esforçando”, diz uma mulher de 84 anos de cabelo encaracolado todo branco. Para ela, o novo padre indiano é “simpático à primeira vista” e acrescentou que “o jovem se adaptou muito bem” à congregação. O sacerdote indiano trabalha duro e conduz a missa “de maneira muito devota”, que agrada à senhora – ao contrário do padre africano, cujo sermão proferido em uma congregação vizinha há alguns meses não pode ser compreendido pelos fieis.

Gaspar sorri com alegria quando lhe contam sobre o diálogo com a velha senhora. Nem sempre é fácil conquistar as pessoas mais velhas da congregação, diz ele, “mas esse é o meu objetivo mais importante”. Na verdade, os idosos são os seus clientes mais importantes. Há cerca de 70 idosos participando do culto de Gaspar nesta terça-feira de manhã. Quase todas são mulheres, todas têm mais de 60 anos e as cores predominantes de seus casaquinhos de verão são marrom e bege. Suas vozes finas rapidamente desaparecem na nave pedra.

[b]”Uma grande oportunidade para a igreja”
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Há alguns anos, a Paróquia de Nossa Senhora onde Gaspar trabalha foi unificada com outras quatro outras paróquias do entorno, e uma quinta paróquia será adicionada ao grupo em 2016. Atualmente, uma equipe de sete sacerdotes atende aproximadamente 16 mil católicos da região. “Nós precisamos urgentemente de apoio”, diz o pastor, Matthias Conrad, de 70 anos. “Benjamine Gaspar é uma dádiva de Deus para nós”. Conrad observa que os tempos estão mudando e diz que a necessidade de recrutar novos sacerdotes do exterior teria sido algo impensável no passado.

Jovens motivados como Gaspar, diz Conrad, são “uma grande oportunidade para a Igreja na Alemanha”, pois eles trazem uma lufada de ar fresco para as congregações. “A vantagem de uma igreja global como a Igreja Católica é que você pode conhecer outras culturas”. Para Conrad, atualmente a igreja é “uma grande rua de mão dupla”. E ele acrescenta: “durante tempo demais a igreja foi uma rua de mão única, cujo fluxo partia da Europa em direção ao restante do mundo”.

Gaspar, porém, tem expectativas realistas em relação a sua nova posição. “Ambos os lados simplesmente não podem esperar milagres”, diz ele. Construir a confiança leva tempo, explica Gaspar, cujo visto alemão atual é válido por cinco anos. Ele não quer pegar ninguém de surpresa. Uma família convidou-o para almoçar alguns dias atrás. Foi uma grande oportunidade de trocar pontos de vista – oportunidade que ele gostaria de desfrutar mais vezes, diz Gaspar. “Às vezes, me deparo com ceticismo, mas também com muita gratidão e respeito”.

Durante a apresentação de Gaspar à congregação, ele pediu que os fiéis o incentivassem. “Eu preciso de sua ajuda, de seu apoio, sua cooperação e, acima de tudo, do Espírito de Deus para que eu possa viver e trabalhar aqui como um sacerdote”, leu ele, de maneira hesitante, uma declaração preparada previamente, apesar de ter praticado seu discurso diante do espelho.

[b]”Eles vêm para chorar, raramente para rir”
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Apesar de um membro da congregação editar os sermões de Gaspar, atualmente o padre é capaz de conduzir a missa da manhã sozinho. Em breve ele vai começar a conduzir funerais. “Eu ainda tenho muito a aprender, mas me sinto muito confortável nesta paróquia. Estas pessoas são quase como uma família para mim agora”, diz Gaspar.

Ao resumir suas impressões iniciais, Gaspar diz: “ao contrário da Índia, os jovens daqui não parecem ter muitas preocupações – ou, pelo menos, eles não nos contam sobre essas preocupações na igreja”. Só quando se trata de temas existenciais da vida é que os alemães buscam consolo com um padre, acrescenta ele. “Eles vêm para chorar, raramente para rir”.

Na Índia, ele costumava passar as tardes visitando espontaneamente os membros de sua congregação em suas casas para lhes perguntar sobre seus filhos ou, talvez, sobre uma sogra doente. Em Bocholt, ele rapidamente aprendeu que existem regras sociais mais rígidas a serem observadas. “Eu já sabia que os alemães são pontuais, mas agora eu também sei que você sempre tem que ligar antes de visitá-los”, disse Gaspar com uma risada entre dentes.

Gaspar geralmente roda por Bocholt e pela zona rural do entorno durante a noite em sua nova moto – um presente de boas-vindas dado a ele pela paróquia. O padre fica visivelmente emocionado quando conta a história de como seus colegas derem a moto a ele durante um culto. Isso o fez pensar sobre o artigo da Wikipédia que ele leu em Chennai e sobre aquela estranha denominação de “cidade das bicicletas”.

[b]Fonte: Der Spiegel via UOL[/b]

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