Fachada de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus
Fachada de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus

Ivan Martínez-Vargas
Folha S. Paulo

A Igreja Universal do Reino de Deus responde a ações judiciais movidas por ex-pastores que afirmam ter sido forçados ou pressionados pela instituição religiosa a fazer vasectomia, informa a Folha de S. Paulo.

A prática, segundo eles contam, garante o ingresso, a permanência ou a ascensão nos quadros da igreja.

As alegações e os relatos dos religiosos são similares. Eles apontam a esterilização como uma espécie de política de recursos humanos.

Sem filhos, os ex-pastores dizem que teriam mais disponibilidade para mudar de cidade a mando da igreja, uma vez que a instituição custeia a família dos religiosos.

A Universal nega que imponha a vasectomia, diz que saiu vencedora de processos ajuizados contra a igreja e afirma que estimula o planejamento familiar dos casais.

Processos são movidos na Justiça do Trabalho, na qual a Universal já foi condenada em primeira e segunda instâncias em diferentes casos. Há, ainda, uma condenação no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

No caso mais recente apreciado pela Justiça, o TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo) condenou a Universal, em segunda instância, a pagar R$ 115 mil em indenização por danos morais e materiais ao ex-pastor Clarindo de Oliveira, 44.

Ele prestou serviços à instituição religiosa entre 1994 e 2010 em templos no Brasil e em Honduras.

Na decisão publicada em 7 de maio deste ano, a relatora do caso, desembargadora Silvana Ariano, disse que há a confirmação da “prática de imposição de vasectomia” pela Universal.

A magistrada destacou o relato de um ex-pastor da instituição que foi testemunha de Oliveira. Segundo ele, “para permanecer na igreja [o pastor] tinha de fazer vasectomia”.

Para ela, a imposição da esterilização “se constitui em grave violação ao direito do trabalhador ao livre controle sobre seu corpo e em indevida intromissão do empregador na vida do trabalhador”.

A igreja já apresentou embargos de declaração, espécie de recurso que questiona eventuais obscuridades ou omissões do tribunal.

Quando a cirurgia foi feita, em São Paulo, a orientação dos superiores foi a de não relatar o procedimento à família em um primeiro momento, segundo ele.

“A intenção [de solicitar a operação], eu percebi depois, era impedir que o pastor fique preso em uma cidade por filhos, além de evitar ter despesas a mais com a família”, disse. Segundo Oliveira, a prática é disseminada na Universal.

As desembargadoras reconheceram o rebaixamento salarial e ordenaram a reposição, com correção monetária.

Elas ainda atestaram o vínculo empregatício e determinaram que a igreja pague férias atrasadas, parcelas de 13º salários atrasados e horas extras a Oliveira.

Outro lado

A Igreja Universal afirmou que condenações são exceção nos processos movidos contra a igreja.

A igreja negou as acusações de seus ex-pastores na Justiça do Trabalho, afirmou que os processos são exceção e que tem obtido vitórias na maioria das ações movidas pelos religiosos.

A igreja disse que “a acusação de imposição de vasectomia é facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores […], em todos os níveis de hierarquia da igreja, têm filhos”.

“Nessa condição, são mais de 3.000 filhos naturais de membros do corpo eclesiástico da igreja”, disse a Universal, em nota.

A instituição afirmou que “estimula o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal. Como, aliás, está previsto em nossa Constituição Federal”.

Sobre as afirmações de ex-pastores de que há penalidade ou coação a quem se recusa a se esterilizar, a igreja disse que “se trata de uma mentira”.

“Há bispos e pastores da Universal com filhos naturais, ocupando posições hierárquicas da igreja em todos os níveis”, frisou.

A Universal disse também que a condenação mais recente sofrida pela igreja, bem como as outras citadas na reportagem, “são exceções”.

“Os pedidos de vínculo empregatício e de indenizações por dano moral em decorrência de vasectomia têm sido negados pela Justiça do Trabalho”, afirmou a instituição.

A Igreja Universal também negou as acusações dos ex-pastores de que eram coagidos a bater metas de arrecadação financeira.

“É mentira que a Universal estabeleça ‘metas para arrecadação’, pois será sempre impossível saber quantas pessoas comparecerão aos cultos, ou [nem] sequer o valor das ofertas que serão entregues, uma vez que a doação é voluntária e praticada apenas por quem segue os ensinamentos da Bíblia”, afirmou.

“Da mesma forma, não existe ‘salário’ pago a bispos e pastores. Eles sobrevivem com uma ajuda de custo para seu sustento. De acordo com as leis brasileiras, a atividade pastoral não é um emprego, mas uma vocação”, afirmou.

A igreja também refutou a ação civil pública movida pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) no Rio de Janeiro.

A Procuradoria pede que seja reconhecido o vínculo de trabalho de todos os pastores da Universal e indenização de R$ 100 milhões para reparar danos causados por supostas esterilizações forçadas.

“A Universal tem em seu corpo eclesiástico bispos e pastores com filhos naturais, em todas as posições hierárquicas”, afirmou, mais uma vez.

Na nota, a Universal citou, ainda, trechos de um texto do colunista Hélio Schwartsman publicado na Folha em 2016 sobre a ação da Procuradoria.

“O Ministério Público do Trabalho investiga a Igreja Universal por supostamente obrigar seus pastores e bispos a se submeterem a uma vasectomia para ser contratados. A Universal nega a acusação.”

“Suponhamos, porém, que seja verdade. Há um problema ético aí? A Igreja Católica exige de seus padres que façam o voto de castidade para obter o emprego. A vasectomia e a castidade têm o mesmo resultado —a ausência de filhos—, mas a primeira exige menos esforços. De qualquer forma, não se tem notícia de procuradores investigando o Vaticano”, escreveu o colunista.

Fonte: Folha de S. Paulo

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