Num discurso que ele deverá pronunciar perante os clérigos, no sábado, 19 de abril, na catedral de São Patrício em Nova York, o papa deverá abordar a questão do escândalo dos padres pedófilos, que veio á tona em 2002 e que, desde então, comprometeu de maneira duradoura a imagem e enfraqueceu as finanças da Igreja católica nos Estados Unidos.

A intervenção do sumo pontífice está causando uma grande expectativa, tanto por parte das associações de vítimas quanto da hierarquia da Igreja, cuja atitude em relação ao problema tem sido questionada desde que ela optou pela aplicação da sua severa política de “tolerância zero”. Às vésperas da sua viagem, Bento 16 recebeu uma carta assinada por 9.000 americanos que se apresentaram como vítimas de padres pedófilos e cobraram sanções contra os bispos que haviam encoberto ou ignorado esses fatos.

Até o presente momento, apenas 3.000 padres – em relação a um total de 42 mil clérigos – têm sido objetos de processos judiciários por abusos sexuais que foram cometidos, em sua maior parte, entre 1960 e meados dos anos 1980. Alguns deles foram condenados por terem apalpado ou praticado carícias em suas vítimas, atos esses que envolveram várias dezenas de crianças. Ao longo de muitos anos, os bispos se limitaram a transferir os padres quando tomaram conhecimento de que estes eram suspeitados ou culpados de práticas pedófilas. Em vez de serem entregues para a Justiça, estes eram enviados para centros de retiro e de oração.

A hierarquia foi apontada como culpada de ingenuidade, sendo acusada de ter confiado de maneira indevida em pessoas suspeitas, e de cultivar o seu gosto pelo segredo, além de priorizar o seu medo do escândalo. Os dois terços dos padres faltosos haviam sido ordenados no início dos anos 1970, ou seja, numa época em que o clero estava enfrentando uma carência de vocações e uma grave debandada de candidatos potenciais. Naquele contexto, era necessário encontrar em regime de emergência, pessoas que se dispusessem a participar dos seminários, dos noviciados e do ensino religioso nas escolas católicas, e os candidatos eram escolhidos sem vigilância nem critérios.

“A partir de então, milhares de padres predadores passaram a abusar de milhares, e até mesmo de dezenas de milhares de crianças”, assegura Barbara Blaine, uma dirigente da associação SNAP (Survivors Network for those Abused by Priests – Rede de sobreviventes e vítimas de abusos por parte de padres). Em alguns casos raros, certos bispos optaram por pedir demissão. Tal fato ocorreu com um amigo de João Paulo 2º, o cardeal Bernard Law, um antigo arcebispo de Boston, a cidade onde o escândalo havia arrebentado após meses de tergiversações. Diante das pressões, este havia sido obrigado a se demitir das suas funções, em dezembro de 2002.

Alguns meses antes, naquele mesmo ano, em junho, a conferência nacional dos bispos havia adotado, em Dallas (Texas), uma carta em prol da proteção dos menores. Neste documento, a hierarquia se comprometia a indenizar generosamente as vítimas, a melhor formar os seus clérigos, a não mais tolerar deles tropeços de espécie alguma. Em nome da “tolerância zero”, uma única reclamação é suficiente, daqui para frente, para mandar um padre embora. Uma colaboração total foi instaurada com a polícia e a Justiça, enquanto uma ampla investigação foi conduzida junto a um milhão de religiosos, padres, laicos e funcionários a serviço da Igreja que trabalhavam em contato com crianças.

“Tolerância zero”
Contudo, uma medida que foi recebida, na época, como sendo um progresso passou a ser alvo, atualmente, de severas críticas por parte de fiéis e do clero. O medo de verem inúmeras pessoas entrarem com ações na Justiça, e de se verem obrigados a prestar reparações financeiras exorbitantes tornou-se tão intenso que os bispos passaram a aplicar sem nenhum discernimento a política de “tolerância zero” para se protegerem preventivamente. Não raro, padres têm sido expulsos da sua paróquia em função de simples rumores que revelaram ser verdadeiros mexericos.

Este ambiente de caça às bruxas vem envenenando a vida das comunidades católicas. Os bispos acreditavam ter feito o mais difícil na sua tarefa de recuperar a confiança da opinião e dos fiéis – cuja participação do culto e cujas doações diminuíram consideravelmente -, mas eles se mostram hoje muito decepcionados com os resultados obtidos.

Tanto mais que eles se viram na obrigação de pagar quantias colossais para as vítimas. Apenas durante o ano de 2007, a Igreja desembolsou mais de US$ 600 milhões (pouco mais de R$ 1 bilhão). O recorde foi registrado na Califórnia: o arcebispado de Los Angeles, o maior do país, se comprometeu em julho de 2007, a pagar uma indenização de US$ 660 milhões (R$ 1,12 bilhões) para mais de 500 pessoas que foram reconhecidas vítimas de apalpadelas ou de estupro por parte de padres. Algumas dioceses se declararam falidas, e se viram forçadas a fechar diversas paróquias e até mesmo igrejas (em Boston); elas ainda tiveram de demitir muitos funcionários e vender imóveis para poder indenizar as vítimas.

Muito além das suas finanças, é a credibilidade da Igreja americana – que havia sido uma das entidades que manifestaram a sua oposição à guerra no Iraque – que está comprometida. “O traumatismo continua sendo muito profundo”, reconhece o cardeal MacCarrick, um antigo arcebispo de Washington, numa entrevista concedida à agência de notícias Imedia, do Vaticano. “Contudo, mais do que teria feito qualquer outra organização, a Igreja empregou meios muito importantes para debelar este flagelo. Os novos casos de pedofilia se tornaram raros. Mas nós ainda somos obrigados a pagar pelas conseqüências deste escândalo”.

Fonte: Le Monde

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