O presidente Jair Bolsonaro fez o tradicional discurso de abertura na 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que aconteceu na manhã desta terça-feira (21), na sede da instituição em Nova York (EUA).
Bolsonaro disse que apresentaria um Brasil diferente do que é mostrado pela mídia. “Aqui mostrarei o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões. O Brasil mudou e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019”.
O presidente iniciou sua fala destacando que “estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção”. Em seguida, disse que o Brasil tem um “presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição, valoriza a família e deve lealdade ao seu povo”.
Bolsonaro falou “que estávamos à beira do socialismo” e que “nossas estatais que davam prejuízos de bilhões de dólares no passado, hoje são lucrativas”.
A Amazônia também foi citada, assim como os desafios do Brasil por suas dimensões continentais. Bolsonaro disse que possuímos uma “legislação ambiental tão completa quanto o nosso código florestal que deve servir de exemplo para outros países”.
Bolsonaro disse que o Brasil ratifica a convenção interamericana contra o racismo e formas correlatas de intolerância. “Temos a família tradicional como fundamento da civilização e a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão”
Indignação e chacotas
Delegações estrangeiras receberam o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na abertura da Assembleia Geral da ONU como uma mistura de indignação, decepção e ironias.
Representantes de seis países diferentes consultados pelo UOL foram unânimes em alertar que, diante do descrédito completo do brasileiro no cenário internacional, o presidente “afundou” o país num isolamento ainda maior.
Existia uma esperança por parte de algumas delegações de que houvesse uma mudança de tom adotada pelo Brasil, diante da fragilidade internacional de Bolsonaro.
Mas, para a surpresa de muitos, o que se viu foi um discurso ainda mais radical e repleto de desinformação. “Fakenews speech (discurso)”, escreveu um negociador alemão, assim que terminou sua fala. “Vergonhoso”, disse outro representante europeu. Jornais como o Washington Post descreveram a fala como “embaraçosa”, enquanto o Guardian destacou como o brasileiro atacou a exigência de um passe sanitário, uma realidade nos EUA e na Europa.
Já o New York Times apontou como Bolsonaro defendeu remédios sem comprovação científica, enquanto dezenas de comentaristas americanos ironizaram quando o serviço de conferências da ONU entrou em cena para desinfectar o pódio após sua fala. Joe Biden seria o próximo. Os dois líderes não se cruzaram nos bastidores.
“O Brasil transformou a tribuna mais sagrada da diplomacia em um disseminador de mentiras e vergonhas”, acusou outro delegado.
Indignados ainda ficaram representantes da OMS, quando Bolsonaro falou sobre tratamento precoce contra a covid-19 sem qualquer tipo de comprovação científica. “O negacionismo na abertura de uma Assembleia Geral é um dos pontos inesquecíveis dessa pandemia”, ironizou um dos funcionários da agência.
Mesmo dentro do Itamaraty, à medida que o discurso era lido, embaixadores experientes e diplomatas não conseguiam esconder a revolta. “Vergonha alheia”, escreveu por mensagem um deles.
Para delegações estrangeiras, a desconfiança internacional será ainda maior em relação ao Brasil depois da fala. “Como é que o governo quer que os demais parceiros o levem à sério”, questionou um governo europeu. Na avaliação de membros do bloco, as mentiras contadas pelos governos ao longo de mais de dois anos de governo Bolsonaro pareciam que não conseguiriam mais ser superadas. Até que chegou a vez do presidente subir ao púlpito da ONU nesta terça-feira.
Para um delegado de um país vizinho do Brasil na região, o tom do presidente foi revelador de um líder que está isolado no mundo e opta por ampliar essa marginalização.
Veja íntegra do discurso
Senhor Presidente da Assembleia-Geral, Abdullah Shahid,
Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres,
Senhores Chefes de Estado e de Governo e demais chefes de delegação,
Senhoras e senhores,
É uma honra abrir novamente a Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões.
O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019.
Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção.
O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo.
Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo.
Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares, hoje são lucrativas.
Nosso Banco de Desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o próprio povo brasileiro.
Tudo isso mudou. Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada.
O Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma realidade e está em franca execução.
Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas.
Na área de infraestrutura, leiloamos, para a iniciativa privada, 34 aeroportos e 29 terminais portuários.
Já são mais de US$ 6 bilhões em contratos privados para novas ferrovias. Introduzimos o sistema de autorizações ferroviárias, o que aproxima nosso modelo ao americano. Em poucos dias, recebemos 14 requerimentos de autorizações para novas ferrovias com quase US$ 15 bilhões de investimentos privados.
Em nosso governo, promovemos o ressurgimento do modal ferroviário.
Como reflexo, menor consumo de combustíveis fósseis e redução do custo Brasil, em especial no barateamento da produção de alimentos.
Grande avanço vem acontecendo na área do saneamento básico. O maior leilão da história no setor foi realizado em abril, com concessão ao setor privado dos serviços de distribuição de água e esgoto no Rio de Janeiro.
Temos tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo.
Também anuncio que nos próximos dias, realizaremos o leilão para implementação da tecnologia 5G no Brasil.
Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional.
Nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa.
Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países.
O Brasil é um país com dimensões continentais, com grandes desafios ambientais.
São 8,5 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 66% são vegetação nativa, a mesma desde o seu descobrimento, em 1500.
Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta. Lembro que a região amazônica equivale à área de toda a Europa Ocidental.
Antecipamos, de 2060 para 2050, o objetivo de alcançar a neutralidade climática. Os recursos humanos e financeiros, destinados ao fortalecimento dos órgãos ambientais, foram dobrados, com vistas a zerar o desmatamento ilegal.
E os resultados desta importante ação já começaram a aparecer!
Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior.
Qaul país do mundo tem uma política de preservação ambiental como a nossa?
Os senhores estão convidados a visitar a nossa Amazônia!
O Brasil já é um exemplo na geração de energia com 83% advinda de fontes renováveis.
Por ocasião da COP-26, buscaremos consenso sobre as regras do mercado de crédito de carbono global. Esperamos que os países industrializados cumpram efetivamente seus compromissos com o financiamento de clima em volumes relevantes.
O futuro do emprego verde está no Brasil: energia renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento básico, tratamento de resíduos e turismo.
Ratificamos a Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância.
Temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão.
14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas. Nessas regiões, 600.000 índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades.
O Brasil sempre participou em Missões de Paz da ONU. De Suez até o Congo, passando pelo Haiti e Líbano.
Nosso país sempre acolheu refugiados. Em nossa fronteira com a vizinha Venezuela, a Operação Acolhida, do Governo Federal, já recebeu 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.
O futuro do Afeganistão também nos causa profunda apreensão. Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e jovens afegãos.
Nesses 20 anos dos atentados contra os Estados Unidos da América, em 11 de setembro de 2001, reitero nosso repúdio ao terrorismo em todas suas formas.
Em 2022, voltaremos a ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Agradeço aos 181 países, em um universo de 190, que confiaram no Brasil. Reflexo de uma política externa séria e responsável promovida pelo nosso Ministério de Relações Exteriores.
Apoiamos uma Reforma do Conselho de Segurança ONU, onde buscamos um assento permanente.
A pandemia pegou a todos de surpresa em 2020. Lamentamos todas as mortes ocorridas no Brasil e no mundo.
Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, em especial, nos gêneros alimentícios no mundo todo.
No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020.
Lembro que terminamos 2020, ano da pandemia, com mais empregos formais do que em dezembro de 2019, graças às ações do nosso governo com programas de manutenção de emprego e renda que nos custaram cerca de US$ 40 bilhões.
Somente nos primeiros 7 meses desse ano, criamos aproximadamente 1 milhão e 800 mil novos empregos. Lembro ainda que o nosso crescimento para 2021 está estimado em 5%.
Até o momento, o Governo Federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e mais de 140 milhões de brasileiros já receberam, pelo menos, a primeira dose, o que representa quase 90% da população adulta. 80% da população indígena também já foi totalmente vacinada. Até novembro, todos que escolheram ser vacinados no Brasil, serão atendidos.
Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina.
Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina.
Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label.
Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial.
A história e a ciência saberão responsabilizar a todos.
No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo.
Como demonstrado, o Brasil vive novos tempos. Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes.
Meu governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um dos melhores destinos para investimentos.
É aqui, nesta Assembleia Geral, que, vislumbramos um mundo de mais liberdade, democracia, prosperidade e paz.
Deus abençoe a todos.
Fonte: Guia-me e UOL