Bento 16, que poderá ser o último papa europeu por algum tempo, chega à Alemanha neste fim de semana para visitar seu lar. Mas esta não será uma mera jornada sentimental e sim, uma pesquisa dos vestígios deploráveis da Igreja européia.

Ele possui uma casa aqui, dos tempos em que era teólogo nesta antiga cidade da Baviera. Seu irmão mais velho ainda vive aqui. Seus pais estão enterrados no alto de uma colina em Regensburg, com vista para as majestosas torres da catedral e para o Danúbio.

Mas esta não será uma mera jornada sentimental. Mesmo aqui na Baviera, o coração católico e conservador da Alemanha, será de certa forma uma pesquisa dos vestígios deploráveis da Igreja européia -e da talvez impossível tarefa enfrentada por este novo papa de reconstruí-la. Em 1978, o ano em que o popular antecessor de Bento, João Paulo 2º, foi eleito, a freqüência regular às missas na Alemanha era de 30%. Hoje está abaixo de 15%.

“Atualmente no mundo ocidental, nós estamos experimentando uma onda de nova e drástico iluminismo ou secularização, seja lá como quiserem chamá-lo”, Bento disse para um grupo de repórteres alemães no mês passado, em uma rara entrevista pública. “Se tornou mais difícil acreditar.”

Este é um fato reconhecido há muito tempo pela Igreja. O novo coração da Igreja bate no Terceiro Mundo -na África, Ásia e América do Sul.

Mas Bento -o produto do melhor e do pior da Europa, um ancião de suas grandiosas universidades e um recruta do exército da Alemanha nazista- foi escolhido no ano passado após a morte de João Paulo, de muitas formas, para escorar a Igreja em um continente que se tornou menos cristão, mais muçulmano e, segundo os críticos, está espiritualmente à deriva. Ele deve tratar do assunto em seus cinco dias aqui e algumas pessoas, ao menos, estão dispostas a lhe dar ouvidos.

“Ele quer apresentar uma imagem positiva da Igreja, não uma imagem que exclui pessoas”, disse Florian Meier, um estudante de teologia de 24 anos da Universidade de Regensburg. “Ele não quer falar apenas de todas as coisas negativas, como aborto e contracepção.”

No caso de Meier, ele reconhece, o papa pregará para os convertidos -e esta é, de fato, a parte chave da estratégia de longo prazo de Bento para salvar a Igreja na Europa: atenção voltada aos fiéis, mas trabalho para tornar a Igreja atraente ao enfatizar o que a vida na Igreja pode trazer, em vez do que exclui. O esforço, para Meier, já afastou a idéia de que a Igreja Católica é uma relíquia irremediável.

“O que o papa está fazendo é tornar OK dizer ‘sim, somos católicos, sim, nós vamos à igreja'”, disse Meier.

Apesar do declínio da Igreja ser inegável, muitos estudos mostram um crescente interesse na Europa em relação a ela de forma geral. Peregrinações voltaram a ser populares. Uma recente série de televisão britânica sobre homens entrando para um mosteiro católico atraiu milhões de espectadores. O funeral de João Paulo 2º também atraiu milhões, assim como o próprio Bento atrai centenas de milhares toda vez que realiza uma missa pública.

“O desafio para qualquer um na liderança religiosa é o que fazer nesta combinação estranhamente paradoxal de circunstâncias, que é a continuidade do declínio mas um aumento do interesse”, disse Grace Davie, uma professora de sociologia da religião na Universidade de Exeter, na Inglaterra. “Eu não sei dizer se o papa está fazendo um bom ou mau serviço. Mas eu diria que a oportunidade está em aproveitar o momento.”

Assim, esta viagem à sua terra natal fornece um vislumbre particularmente relevante, até mesmo tocante, dos problemas profundos da Igreja, o que o papa pretende fazer a respeito e que primeiros passos ele poderá, ou não, dar.

Todas as quatro viagens feitas por Bento como papa foram feitas dentro da Europa, em parte devido à atenção que deseja dedicar ao continente, em parte porque Bento, aos 79 anos, disse não possuir o vigor para viajar tão intrepidamente quanto João Paulo.

Inevitavelmente, até o momento, ele conquistou admiradores e detratores no país que o conhece melhor. Certamente, a eleição deste papa alemão, por muito tempo uma voz inflexível na Igreja, não foi universalmente elogiada entre os católicos alemães, muitos preocupados que ele não seria uma ponte ideal entre a religião ancestral e um país moderno, secular.

“Meu primeiro pensamento foi: Oh, meu Deus, é Ratzinger!” reconheceu Meier.

Conservador, com mais cérebro que carisma, Joseph Ratzinger, como Bento antes era conhecido, ainda é famoso aqui entre os estudantes de teologia por seus seminários populares, incisivos, e por suas batalhas épicas contra teólogos liberais como Hans Kung. O primeiro temor entre muitos, tanto estudantes quanto alemães em geral, era de que ele seria um sumo pontífice reacionário.

Mas a Alemanha se animou em relação a ele e, em Regensburg, as ruas agora estão cheias de bandeiras do Vaticano, um eco da euforia de acenar bandeiras e de novo orgulho nacional da Copa do Mundo de futebol deste ano. Parte do apelo tem sido o estilo discreto e intelectual de Bento, que, apesar de decididamente não comprometer a doutrina, tem buscado evitar a condenação estridente em questões morais.

Apesar de condenar a homossexualidade e o casamento de mesmo sexo, ele freqüentemente prefere enfatizar o propósito de Deus no casamento entre um homem e uma mulher. Sua primeira encíclica foi sobre o amor, uma escolha que surpreendeu e inspirou Ulrike Reis, 25 anos, que está estudando para ser professora. “Assim que ele começar a dizer ‘não, não, não’, os alemães taparão seus ouvidos”, ela disse.

Esta é uma estratégia consciente por parte do papa, que visa não alienar o mundo secular enquanto articula uma visão do catolicismo com o maior apelo possível.

“O catolicismo não é uma coleção de proibições”, ele disse aos repórteres alemães na entrevista. “É uma opção positiva. É muito importante olharmos para ela novamente porque esta idéia quase que desapareceu totalmente nos dias de hoje.”

Os defensores conservadores do papa acreditam que tanto a mensagem quanto o estilo são altamente necessários na Europa. “Ele não conseguirá nada com trovões”, disse George Weigel, autor de um livro sobre o futuro da Igreja. “Ele o fará de forma discreta, persuasiva, pedindo às pessoas que reconsiderem a possibilidade de o tédio espiritual ser uma faceta do atual problema europeu.”

Uma segunda ponta da estratégia do Vaticano é cultivar aqueles que já acreditam, na prática escorando o que Bento chama de “minoria criativa” para manter a Igreja firme mesmo que de forma encolhida.

Desta forma, seus discursos se voltam para os fiéis mais do que para a cultura em geral, agradando aos fiéis em busca de nutrição e frustrando os jornalistas em busca de notícias. Também representa sua ênfase em uma prática católica de volta ao básico, visitando os santuários, especialmente os dedicados à Virgem Maria, e encorajando grupos leigos ativistas. Há apenas um único grande evento secular no itinerário de Bento em seus seis dias de visita: um discurso em uma universidade daqui na próxima terça-feira.

“Se você olhar para a Reforma Católica, o Estado da Igreja em 1520, como ela se recuperou na época?” perguntou Philip Jenkins, um professor de estudos religiosos da Universidade Estadual da Pensilvânia. “Não foi se concentrando em toda questão política e social. Foi se concentrando na santidade, nas novas ordens religiosas e, acima de tudo, se concentrando em Maria.”

“E a visão deles é, eu acho, se fizermos o mesmo, talvez o século 21 se parecerá mais com a Reforma Católica.”

“Funcionará? Eu não vejo nenhuma reviravolta imensa nas estatísticas muito deprimentes para a religião institucional. É cedo demais para dizer.”

Os especialistas também dizem que a batalha não será vencida apenas com a acentuação do positivo. João Paulo 2º foi uma das pessoas mais amadas do planeta, mas mesmo assim a Igreja encolheu. Questões reais dividem os católicos, sem contar como a Igreja deve avançar para recuperar sua importância na sociedade secular.

Em sua visita, Bento verá uma destas disputas de perto.

Em Regensburg, a Igreja está tomada de lutas internas desde o ano passado, quando o novo bispo afastou todo o conselho leigo em uma busca para consolidar o controle do clero sobre os assuntos da Igreja. O bispo, Gerhard Ludwig Mueller, escolheu a dedo os novos membros do conselho e decretou que todos os presidentes dos conselhos das paróquias locais agora devem ser padres.

A disputa tratava ostensivamente de quanta voz os católicos leigos devem ter na administração da diocese. “Só pode haver um pastor”, disse o vice do bispo, o padre Michael Fuchs. Mas muitas pessoas aqui, mesmo algumas não envolvidas na disputa, dizem que ela reflete um debate mais amplo sobre como adaptar a Igreja aos tempos modernos.

“Foi uma disputa entre um entendimento hierárquico, do século 18, da Igreja Católica, e um entendimento moderno, um tanto mais democrático, da Igreja”, disse Gustav Obermair, que foi reitor da Universidade de Regensburg quando o papa lecionava lá.

Também há evidência de que a disputa alienou alguns paroquianos. Na mais recente eleição para os conselhos das paróquias, 200 mil pessoas votaram, 50 mil a menos do que na eleição de quatro anos antes, disse um ex-membro do conselho. A diocese, que cobre grande parte do leste da Baviera, conta com 1,3 milhão de membros.

E outras questões mais amplas dividem os católicos na Europa, como o papel das mulheres, contracepção, divórcio, fertilização artificial,
homossexualidade, casamento de padres e aborto. Os católicos mais liberais dizem que a Igreja poderia impedir seu colapso mudando suas posições; os conservadores rebatem que o comprometimento da doutrina dilui o que de fato é sagrado. Os liberais também dizem que a “minoria criativa” de Bento não se refere a eles, mas àqueles que defendem suas posições tradicionais e conservadoras.

“Muitas pessoas não estão encontrando um lar na Igreja Católica -devido à falta de um papel para as mulheres, por causa da falta de democracia”, disse Christian Weisner, porta-voz da Nós Somos Igreja na Alemanha, um grupo liberal. “Na teoria, o papa pode fazer algo positivo a respeito. Na prática, ele não fará.”

E há a realidade que a Igreja, para muitos, simplesmente parece irrelevante, dado tudo o que o mundo moderno tem a oferecer. Ferenc Acs, 35 anos, um candidato a Ph.D. em neuropsicologia em Regensburg, foi batizado católico e disse que ficou aliviado com o fato de Bento “parecer mais moderado do que o esperado”.

Mas Acs não espera muita mudança na doutrina da Igreja da qual discorda. Ele não espera voltar à Igreja. Ele não planeja ir à missa celebrada pelo papa na próxima terça-feira.

“Se você vai caminhar cinco quilômetros para um espetáculo”, ele disse, “eu prefiro que seja um concerto de rock”.

Igreja alemã quer faturar com produtos papais durante visita

O papa Bento 16 chega neste sábado à sua terra natal, o Estado da Baviera, no sul da Alemanha, onde deverá visitar um total de cinco cidades: além de Munique, estão em seu roteiro Altötting e Marktl, onde ele viveu e passou boa parte da infância, assim como Regensburg e Freising.

Os custos da visita de seis dias estão estimados em 20 milhões de euros (cerca de R$ 54 milhões). Para poder reaver pelo menos parte do dinheiro, o bispado de Regensburg, responsável pela organização, criou uma verdadeira estratégia de marketing.

O bispado tem os direitos exclusivos para o uso da insígnia e da foto do sumo pontífice, e contratou uma agência de merchandising para comercializar produtos papais.

Entre os badulaques que serão vendidos durante a visita estão suvenires como velas, xícaras, chaveiros e uma camiseta com a foto de Bento 16. Uma garrafinha para água-benta e uma bandeira do Vaticano que pode ser fixada à janela do carro também estão sendo oferecidas.

Símbolos da alegria

Se chover durante a visita, os fiéis podem se proteger com um guarda-chuva papal ou com um boné que traz o slogan: “Quem crê nunca está só”.

Os produtos podem ser comprados nos locais pelo qual o papa vai passar ou até encomendados pela internet, no site willkommen-benedikt.de (“bem-vindo, Bento”, em alemão).

Segundo o bispo Gerhard Müller, responsável pelo marketing papal, a Igreja não quer vender meros suvenires, mas sim “símbolos da alegria e da união” dos fiéis.

Um porta-voz do bispado de Regensburg deixa claro que a comercialização tem seus limites: a imagem do papa não deve ser maculada por produtos indevidos. “Não venderemos ursos de pelúcia ou almofadas com a imagem papal”, diz ele.

Já a respeitada revista alemã Der Spiegel reagiu sarcasticamente: “A estratégia da Igreja lembra o rigor com que a Fifa protegeu seus produtos licenciados durante a última Copa do Mundo”.

Fonte: The New York Times e BBC Brasil

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