Sobre os dois cadáveres crivados de balas encontrados na madrugada de terça-feira (21) no noroeste do Estado de Durango, os assassinos deixaram uma mensagem: “Eles nunca terão o Chapo, nem os padres, nem os governantes”.

O México inteiro entendeu que era uma resposta do mais célebre fugitivo do país, Joaquin Guzman, chamado de “El Chapo” (o pequeno) por causa de sua baixa estatura, um traficante de drogas incluído em 2009 na lista das grandes fortunas do planeta pela revista americana “Forbes”. Chefe do Cartel de Sinaloa, ele também é o segundo homem mais procurado pelo FBI (a polícia federal dos EUA) e pela Interpol.

Quatro dias antes, o arcebispo de Durango, Hector González, havia espantado a opinião pública declarando, durante uma coletiva de imprensa convocada em sua diocese: “O Chapo vive aqui perto, pouco depois de Guanacevi. Todo mundo sabe, menos as autoridades”.

O prelado católico denunciou as pressões e extorsões exercidas pelo crime organizado sobre padres residentes no norte do México. Em certos municípios, ele explicou, os traficantes mergulharam a população em uma “psicose quase caótica”, mas as autoridades se recusam a agir. Seriam essas palavras fortes um sinal de que a hierarquia católica, após décadas de ambiguidades, está pronta para enfrentar os traficantes? Os assassinatos recentes de Durango parecem confirmar a tese do bispo.

Segundo o jornal “El Universal”, as duas vítimas encontradas na terça-feira eram oficiais da inteligência militar, vestidos como todos os homens dessa região montanhosa onde John Wayne filmou faroestes – com jeans, chapéu e botas de caubói.

Eles estavam em missão entre Tepehuanes e Guanacevi, nos confins do “triângulo dourado” formado pelos Estados de Sinaloa, de Chihuahua e de Durango, onde se cultiva maconha e papoula de ópio, e que continua sendo uma fortaleza para os barões do crime, quase impenetrável.

Inicialmente perseguido por todas as polícias desde que ele escapou, em 2001, de uma prisão de segurança máxima, o Chapo, de 55 anos, teria celebrado, em julho de 2008, um casamento espalhafatoso com uma jovem de 18 anos, ao qual toda a elite do “meio” assistiu.

Para os conhecedores da hierarquia eclesiástica, nem se cogita que Dom González, um conservador de perfil sem graça, tenha rompido o silêncio por iniciativa própria. “Às vésperas da conferência episcopal entre 20 e 24 de abril no México, trata-se de uma declaração provocadora”, acredita Bernardo Barranco, um especialista em questões religiosas no México.

“É um golpe midiático e uma mensagem dirigida à classe política pela Igreja, que primeiro quer limpar sua imagem de instituição também infiltrada pelos traficantes”, ele diz. “Especialmente porque muitos traficantes são católicos fervorosos, cujas caridades são difíceis de recusar”.

Mas a polícia federal não acaba de deter 44 membros de um dos cartéis mais perigosos, a “Família de Michoacán”, que se reuniam para celebrar um batizado?
O tema das “narco-esmolas” dividiu a hierarquia, sendo que alguns bispos – entre os quais o atual presidente do episcopado mexicano, Carlos Aguiar – sustentam que a Igreja não tem que verificar a origem das doações que recebem, que em muitos casos os traficantes ajudam suas comunidades, e que seria preciso “evangelizá-los”, em vez de rejeitá-los.

“Como pode esse país renascer, quando já se acostumou dessa forma a viver com a corrupção?”, se pergunta Dom Aguiar, na abertura da conferência à qual foi convidado, este ano, o padre italiano Luigi Ciotti, um dos fundadores da Libera, que reúne 1.500 associações opostas à máfia da Itália. A presença desse “padre cidadão” ressalta a vontade da Igreja mexicana de retomar o trabalho social e de recuperar um prestígio abalado por escândalos de abuso sexual ou por seu envolvimento com o mundo do crime.

O assassinato a tiros, em 1993 no aeroporto do México, do cardeal de Guadalajara, Juan Jesús Posadas, nunca foi esclarecido. Ainda que ele seja visto como “mártir” por parte dos meios católicos, convencidos de que ele foi vítima do antigo regime do Partido Revolucionário Institucional, ou talvez até de um complô de franco-maçons, mas há quem pense que sua morte violenta é sinal de uma nebulosa proximidade com os bandidos.

O representante do Vaticano no México, o núncio Girolamo Prigione, não hesitou em receber, em 1994, os dirigentes do cartel de Tijuana, os irmãos Arellano Felix, alegando um “diálogo” junto às autoridades.

Hoje, muitos padres e bispos mexicanos enfrentam o desespero de seus fiéis, pegos entre a cruz do crime organizado e a espada da repressão militar. “Seria preciso se organizar com outras comunidades cristãs, e também informar às pessoas sobre seus direitos constitucionais”, conta à publicação semanal “Proceso” um padre do Estado de Coahuila. Mas nossa hierarquia não está acostumada a acompanhar o povo: eles darão declarações ou farão análises, ao passo que eles devem ao país uma verdadeira ação pastoral”.

A ‘Santa Morte’ e os falsos guias espirituais

Segundo a Secretaria de Defesa Nacional, 610 crianças e adolescentes mexicanos, com idades entre 2 meses e 16 anos, foram mortos desde dezembro de 2006 em consequência da guerra contra e entre os cartéis da droga: 427 deles haviam sido recrutados pelas organizações criminosas, que lhes pagavam, treinavam, e os “batizavam” com a maconha.

Essa guerra também deixou milhares de viúvas e órfãos. Padres que foram visitar seus paroquianos os encontraram embalando drogas, e as missas locais viraram um psicodrama catártico. Mal preparada para essa dura realidade, a Igreja católica enfrenta a concorrência de cultos que se popularizam, como o da “Santa Morte”, ou de chefes de bandos disfarçados de guias espirituais, como na “Família do Michoacán”, que organiza o tráfico com mão-de-ferro, ao mesmo tempo em que prega os “valores morais”.

Fonte: Le Monde

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