O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que acaba de publicar seu tão esperado livro de memórias fala sobre fé em entrevista .

O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair acaba de publicar seu tão esperado livro de memórias. Em uma entrevista ao Spiegel, ele fala sobre suas diferenças com George W. Bush, as perspectivas de paz no Oriente Médio e o perigo de um Irã com armas nucleares.

Seu livro de memórias, “Journey” (jornada), afirma que, para o senhor, a religião sempre foi mais importante do que a política. Ainda assim, há pouca menção em seu livro sobre como a religião formatou suas visões políticas. Por quê?

Contrariamente a certa sabedoria popular, nunca achei que Deus pudesse substituir o discernimento político. Eu fui um líder político, não religioso.

Então Deus nunca lhe falou diretamente?

Sua fé lhe dá forças para fazer o que acha certo e obviamente lhe dá valores. Mas é isso. Você não pode ir para o canto e perguntar a Deus qual deve ser o salário mínimo no próximo ano.

A fé em comum ajudou-o a formar um elo mais próximo com o presidente norte-americano George W. Bush?

Não. Nós concordamos com uma questão central relacionada à segurança, não à religião. No dia 11 de setembro, quando 3.000 pessoas inocentes morreram nas ruas de Nova York, toda a política externa dos EUA virou do avesso, como aconteceu comigo. Concordamos que simplesmente não podíamos assumir riscos com esta ameaça de segurança. Se pudessem ter matado 300.000 pessoas naquele dia, teriam matado. O cálculo de risco mudou. Essa foi a opinião que eu adotei na época e mantenho até hoje. Além disso, discordei do presidente Bush em diversas áreas, por exemplo, em mudança climática e no Oriente Médio, ocasionalmente.

Quando seu livro foi lançado na semana passada, o senhor estava em Washington como enviado especial do Quarteto do Oriente Médio. O senhor testemunhou o nascimento da mais recente iniciativa de paz do Oriente Médio na Casa Branca. Esta terá sucesso?

Há boas razões para otimismo. O presidente Obama tornou esta questão uma prioridade estratégica para os EUA. No pequeno jantar que tivemos, ele estava incrivelmente focado e consciente dos detalhes do que precisa acontecer.

O senhor vê algum progresso na região?

Passo a maior parte do meu tempo atualmente no processo de paz. Estamos ajudando a Autoridade Palestina a construir sua capacidade de governar. O que está acontecendo na Cisjordânia é extraordinário. A Autoridade Palestina provê segurança. Portanto, muitos postos de policiamento de Israel estão abertos. Como resultado, a economia está crescendo. Eu estive em Nablus na semana passada. Um ano atrás, o desemprego era de 30%; hoje, é de 12%. São mudanças grandes. Gaza, por outro lado, continua um enorme problema.

O senhor não perdeu claramente uma chance histórica como mais importante aliado de Bush? Em troca por seu apoio no Iraque, o senhor poderia ter extraído um acordo amplo com o governo Bush para uma solução no Oriente Médio.

É verdade que eu queria maior impulso no processo de paz. Mas você não pode negociar questões como essas. Lidaríamos com Saddam ou não. E por favor, não ignore o que foi feito. Nós produzimos o “mapa do caminho para paz” que ainda é o documento determinante para o avanço.

Os últimos soldados americanos acabam de deixar um frágil Iraque. O senhor teme que o país volte para o caos e a guerra civil?

É claro que devemos nos preocupar com isso. Mas a capacidade militar iraquiana aumentou enormemente. Os iraquianos têm uma chance agora de reconstruir o país.

No verão de 2003, o senhor disse durante uma visita a Basra: “Quando as pessoas olharem para trás, para esta época e para este conflito, acredito honestamente que o considerarão como um dos momentos que definiram nosso século.” É assim?

Vamos ter que esperar para ver o que acontece. Mas se, como eu espero, o Iraque se estabilizar a avançar, se as instituições democráticas continuarem de pé, mesmo passando por tempos difíceis, será um momento muito importante de mudança no Oriente Médio.

O Afeganistão, o outro teatro de guerra que o senhor deixou para trás, parece ainda pior.

A razão dos problemas no Afeganistão é a mesma do Iraque. Há um movimento que se baseia em uma visão pervertida do Islã. São pessoas dispostas a lutar usando o terrorismo e prontas para se manter no conflito por um longo tempo. Parte desse movimento é patrocinada pelo Irã. Temos que ter forças para enfrentá-los e combatê-los, mesmo que levem anos.

Como o senhor lidaria com o Irã?

Eu diria claramente para Teerã: vocês não devem desenvolver armas nucleares. Se continuarem, vamos detê-los.

Estaria disposto a entrar em guerra?

Faria todo o possível para evitar a opção militar, mas não tiraria esta opção da mesa. Se as sanções não funcionarem, enfrentaremos escolhas muito difíceis. Um Irã com armas nucleares desestabilizaria enormemente todo o Oriente Médio. Faríamos um grande erro se não compreendêssemos isso.

O senhor se ressente de não ser mais primeiro-ministro?

Algumas vezes. Mas eu amo minha vida nova, de fato.

No ano passado, o senhor tentou se tornar o primeiro presidente do Conselho da União Europeia.

Eu teria gostado do trabalho, se as pessoas me quisessem. Quem sabe, talvez eu tenha outro cargo público em um momento distinto. Agora temos uma oportunidade enorme na Europa. Somos a maior união econômica do mundo. Isso fortalece nossos países individuais. Temos que usar essa força. Ao mesmo tempo, o poder está mudando para o Oriente. Precisamos olhar para a China, Índia e Indonésia. Temos que nos ajustar a isso e temos que fazê-lo radicalmente, ou ficaremos para trás. Por isso que é tão maluco o Reino Unido ser cético quanto à União Europeia.

Em seu livro, quase não há nada sobre o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder. Mas sabe-se que vocês não se davam bem.

Obviamente que discordávamos. Mas eu sempre tive grande respeito por seu programa de reformas e não acho que ele recebe o crédito que merece por isso. Foi muito importante para o futuro da Alemanha.

[b]Fonte: Der Spiegel
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