Os cristãos que moram no bairro de Ashrafie ficaram chocados e surpresos, nesta quarta-feira, com o primeiro bombardeio israelense a uma área não muçulmana da capital libanesa, desde o início dos ataques há uma semana. O Líbano pediu ajuda ao Vaticano para que faça pressão por um cessar-fogo nas batalhas Oriente Médio.

O bombardeio teve como alvo dois caminhões e não fez vitimas mas foi suficiente para fazer muita gente correr assustada para abrigos subterrâneos.

Os caminhões eram usados para cavar poços artesianos, mas é possível que a aparência dos veículos – que têm uma grande broca repousando horizontalmente na parte de cima – tenha feito com que eles fossem confundidos com lançadores de foguetes.

“Aqui é um bairro cristão. Não temos armas e nem milícia”, reclamava enfurecido George Yussef, um cristão que mora bem em frente do terreno onde estavam os caminhões.

“Se os israelenses querem brigar com seus inimigos que eles pelo menos saibam onde eles estão”, disse.

Vale do Beka

Outros ataques a áreas cristãs já vem acontecendo no Vale do Beka, perto da fronteira entre com a Síria.

Israel está atacando aquela área para impedir que armas e suprimentos consigam entrar no Líbano a partir do território sírio.

Analistas temem que se a comunidade cristã acabar envolvida de maneira profunda nesta crise a violência pode escalar ainda mais.

O Líbano é um país profundamente dividido em linhas sectárias e religiosas (cristãos, muçulmanos xiitas, muçulmanos sunitas e, em menor número, druzos).

A divisão se reflete tanto na partilha do poder político – feita no acordo que encerrou a guerra civil libanesa em 1991, depois de 15 anos de conflito – como na separação das comunidades por regiões do país ou bairros dentro das cidades.

Tensão sectária

Mas Yussef diz que este conflito não chegou a provocar tensão entre as diferentes comunidades que vivem no país.

“Por hora não há nenhuma tensão e espero que tenhamos conseguido superar este problema no Líbano”, diz.

O cristão libanês – que também tem cidadania francesa – diz que “de maneira alguma” pensa em deixar o país devido à violência.

Mas há outros libaneses que já não estão mais seguros de que querem continuar a viver no país, como Nancy Onsy, uma cristã que também mora ao lado da área atacada ontem pelos israelenses.

“Amo o Líbano mas está ficando muito difícil viver aqui. De novo”, desabafa.

Líbano pede ajuda ao Vaticano

O Líbano pediu ajuda ao Vaticano para que a Santa Sé faça pressão por um cessar-fogo nas batalhas Oriente Médio. Na tarde desta quarta-feira, o filho do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri – morto em um atentado no ano passado -, Saad Hariri, encontrou-se com o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Angelo Sodano.

Hariri, que, como o falecido pai, atua na política libanesa, tem um encontro marcado com o ministro do exterior italiano na quinta-feira. A Itália vem atuando como o que o primeiro-ministro Romano Prodi chama de “facilitador” nos esforços para combater a crise.

A agência de notícias filiada ao Vaticano Ásia News informou nesta quarta-feira que o primeiro-ministro libanês Fuad Saniora telefonou a Sodano um dia antes para buscar uma ajuda do Vaticano para um cessar-fogo nos conflitos.

O Papa Bento XVI, durante uma aparição a peregrinos no domingo durante suas férias nos Alpes Italianos, lamentou as mortes de civis no conflito e pediu aos líderes para que”retornem ao caminho do entendimento” e do diálogo aberto.

Na semana passada, Sodano disse que a Santa Sé condenou tanto os ataques terroristas quanto a retaliação de Israel contra alvos libaneses. O Líbano tem uma grande população católica.

Cruz Vermelha pede 6,4 milhões de euros para o Líbano

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) fez ontem um primeiro pedido de 6,4 milhões de euros para o Líbano, fundamentalmente para atender os feridos em um conflito que, segundo seu diretor de operações, Pierre Krahenbuhl, “gera sérias dúvidas sobre o respeito do princípio de proporcionalidade”.

“Nossa principal preocupação é a situação da população civil, que está suportando uma carga extremamente pesada em conseqüência da ação militar que está em andamento”, disse Krahenbuhl em entrevista coletiva em Genebra. O diretor destacou “o elevado número de baixas civis e os grandes danos provocados às infra-estruturas civis em apenas uma semana”.

“Esses danos fazem com que tenhamos sérias dúvidas sobre o respeito do princípio da proporcionalidade no contexto das hostilidades, que alguém terá que esclarecer”, afirmou, sem especificar que parte estava sendo desproporcional em suas respostas.

O CICV contabilizou no Líbano entre 220 e 230 civis mortos e 600 feridos, enquanto em Israel houve 13 mortes e 150 feridos, segundo Krahenbuhl, que ressaltou que esses dados “mudam a cada hora”.

Nesse sentido, Krahenbuhl disse que uma das principais diferenças entre este conflito e outros com que lidou como diretor de operações do CICV é “a rapidez com que tudo está acontecendo”. Segundo ele, “isso impede que se possa ter uma idéia clara da situação”.

Por isso, por enquanto, o CICV pedirá somente dez milhões de francos suíços (6,5 milhões de euros) à comunidade internacional, à espera de que “em algumas semanas se possa emitir um segundo pedido de fundos com uma visão mais clara da situação”.

Esses fundos serão destinados em parte a fortalecer a Cruz Vermelha do Líbano, que já mobilizou 2.400 voluntários e cerca de 300 ambulâncias, e a “prioridade absoluta” será “atender feridos e doentes”, a que “agora o acesso está severamente restringido”.

No entanto, Krahenbuhl se mostrou otimista em relação à possibilidade de que as partes respeitem os trabalhos da organização. Segundo o diretor, “os indícios indicam” que a atividade diária da organização humanitária será respeitada.

Mas o otimismo de Krahenbuhl desaparece quando se trata da possibilidade de visitar os dois soldados israelenses seqüestrados pela milícia xiita libanesa Hisbolá.

“Pedimos ao Hisbolá que os trate com humanidade e respeite suas vidas e dignidade e insistimos em que têm direito a entrar em contato com seus familiares. Também pedimos para ter acesso a eles, mas até agora não tivemos uma resposta positiva”, afirmou o diretor, ressaltando que a CICV continuará tentando um contato com os reféns.

O pior ataque: 64 mortos no Líbano

Os bombardeios de Israel no Líbano causaram ontem o maior número de mortes num só dia de ataques: 63 civis e 1 militante do grupo islâmico Hezbollah, elevando para cerca de 300 o saldo de libaneses mortos em oito dias de conflito. Mais de mil ficaram feridos nesse período no país, segundo balanço do primeiro-ministro Fuad Siniora.

Na noite de ontem, a aviação israelense lançou 23 toneladas de bombas sobre Bourj al-Barajne, uma área no sul de Beirute onde fica o bunker do líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah. Segundo militares de Israel, o xeque provavelmente estava no local. No entanto, a TV Al-Manar, do Hezbollah, informou que ninguém do grupo ficou ferido nesse ataque.

O Hezbollah continua lançando dezenas de foguetes contra o norte de Israel: 140 apenas ontem, mais de 900 em oito dias. Um deles atingiu ontem a cidade árabe de Nazaré, matando 2 crianças e ferindo outras 20 pessoas (ler mais na página 14). A morte das crianças e de dois soldados do Exército de Israel em confronto com militantes do Hezbollah, no sul do Líbano, elevou para 29 os mortos israelenses (15 eram civis).

O conflito começou no dia 12, depois que o Hezbollah invadiu território israelense e capturou dois soldados com o objetivo de trocá-los por libaneses e outros árabes presos em Israel. Não há indícios de solução diplomática à vista. Tanto Israel como o Hezbollah se declaram prontos para lutar por um longo tempo e os Estados Unidos, Síria e Irã – países com algum poder de intervenção sobre os dois lados em conflito – não parecem empenhar-se por um cessar-fogo.

Papa pede orações

O Papa Bento XVI convocou para domingo, 23 de julho, um dia de orações e penitências para o fim “imediato” do confronto entre israelenses e libaneses, informou hoje o Vaticano.

O Pontífice afirmou que o Líbano tem direito ao “respeito a sua integridade como país”, que os palestinos têm direito de “uma pátria livre e soberana” e Israel de “viver em paz em seu Estado”.

Em comunicado divulgado “devido ao agravamento da situação no Oriente Médio”, o Vaticano informou que Bento XVI “continua muito preocupado” com o destino dos povos afetados.

“Por isso, convoca para domingo, 23 de julho, um dia especial de preces e penitências, pedindo aos pastores e fiéis de todas as igrejas, assim todos os cristãos do mundo, a implorar a Deus o dom precioso da paz”, afirmou o Vaticano.

De forma “particular”, o Papa quer que as preces se elevem a Deus “para que pare imediatamente” o fogo entre as partes, “sejam criados corredores humanitários para levar ajuda às povoações que sofrem, e comecem negociações razoáveis e responsáveis para acabar com as situações de injustiça existentes nessa região”.

“Neste doloroso momento, Sua Santidade faz uma chamada às organizações de caridade para que ajudem todas as povoações afetadas por este impiedoso conflito”, ressaltou o Vaticano.

Bento XVI expressou várias vezes nos últimos dias sua preocupação com a situação no Oriente Médio, e insistiu na necessidade de abandonar as armas e voltar às negociações, único caminho – diz – que leva à paz que as partes desejam.

O comunicado de hoje acontece poucas horas depois de o deputado libanês Saad Hariri – filho do ex-primeiro-ministro assassinado Rafik Hariri – se reunir no Vaticano com o secretário de Estado, o cardeal Angelo Sodano, ao qual pediu ajuda para um cessar-fogo em seu país após os ataques de Israel.

Há dois dias, o primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, manteve uma longa conversa por telefone com o cardeal Sodano, segundo fontes diplomáticas.

Fonte: BBC Brasil, Terra, EFE e Estadão

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