Quando for aberta a mais recente rodada de negociações entre israelenses e palestinos —o que deverá ocorrer hoje, na Academia Naval dos Estados Unidos, em Annapolis— será quase a 40ª vez desde 1967 que os Estados Unidos lançam uma iniciativa diplomática para ajudar a promover a paz no antigo conflito.

A história do processo de paz poderia ser contada com um atlas. Annapolis se junta a Madri (Espanha), Oslo (Noruega), Taba (na península do Sinai), Camp David (EUA), Wye River (em Maryland, EUA), e Sharm el-Sheik (Egito) como um dos lugares onde os negociadores se reuniram em uma tentativa de resolver as disputas territoriais de israelenses e palestinos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.

Até agora, é um rastro de fracasso, oportunidades perdidas e promessas quebradas —para o qual o então primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, em meio aos destroços da última tentativa fracassada de diplomacia séria em 2000, previu de forma aborrecida que todos os lados inevitavelmente retornariam.

“Em poucos anos, nós enterraremos nossas centenas de mortos, eles enterrarão seus milhares de mortos, nós voltaremos à mesa de negociação e lidaremos com as mesmas questões”, disse Barak.

Mas pouca substância é esperada na mais recente parada da turnê da paz. Dizem que questões centrais não serão discutidas (veja Questões do Status Final e Processo de Paz abaixo).

Em vez disso, os dois lados deverão anunciar sua intenção de retomar negociações de paz significativas “em uma data posterior”. Dizem que os palestinos desejam um acordo concluído em seis meses, enquanto Israel se recusa até o momento em acertar um prazo.

Este equivalente diplomático a empurrar com a barriga mais para a frente é um produto de prudência política, pois é uma coalizão de fracos e desesperados que chega a Annapolis.

Um ‘grande feito’ para um governo em baixa

Com o prestígio americano em seu ponto mais baixo no Oriente Médio em meio à continuidade do conflito no Iraque, o presidente Bush está buscando qualquer desdobramento que possa ser remotamente rotulado como sucesso em meio aos seus últimos meses no cargo.

Em particular, Rice está imensamente interessada em provar que é uma secretária de Estado importante e em evitar ser lembrada como uma arquiteta da guerra no Iraque.

Assim, o simples fato das negociações estarem começando em Annapolis provavelmente será saudado como um grande feito pelo governo Bush.

Mas fará pouco para ajudar a sorte política do primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, e do presidente palestino, Mahmoud Abbas, que, apesar de falarem sobre a paz, parecem incapazes de produzir ou colocar em prática qualquer acordo.

Abbas tem pouca ou nenhuma influência na Faixa de Gaza, o turbulento território palestino onde os radicais islâmicos do Hamas predominam sobre as forças de seu movimento secular nacionalista Fatah.

Olmert sofre com a ameaça de indiciamento por supostos atos de corrupção cometidos enquanto era o ministro das Finanças e com a expectativa de mais outra avaliação negativa de sua supervisão da guerra de 2006 no Líbano, que deverá ser divulgada em breve por uma comissão nomeada pelo governo.

Ambos podem até deixar seus cargos antes do próprio Bush deixar a Casa Branca daqui 13 meses —Olmert, caso dê passos concretos no sentido de um acordo de paz, e Abbas, caso não dê.

Mas se Annapolis promete pouco mais que pompa e circunstância, por que prosseguir com isto?

O que dizem analistas em Washington e no Oriente Médio:

—No futuro próximo improvavelmente haverá figuras políticas em ambos os lados mais dispostas a chegar a um acordo (veja Time dos Sonhos).

—A menos que palestinos receptivos a Israel possam ver que as negociações produzirão um Estado palestino, há temores de que a tomada da Faixa de Gaza pelo Hamas será reproduzida na Cisjordânia.

—A própria idéia de uma solução de dois Estados para o conflito agora está ameaçada pela disseminação de infra-estrutura israelense na Cisjordânia e a incapacidade dos palestinos sob ocupação israelense de formar uma economia ou instituições políticas que possam mesmo remotamente serem chamadas de um Estado.

—Os Estados Unidos —atolados na guerra no Iraque e sem saber como lidar com o Irã— precisam do contínuo apoio dos países árabes pró-americanos. Estes aliados permanecem firmes em sua insistência de um progresso na solução de dois Estados.

Alguns analistas dizem que a curto prazo a pressão para negociar está sobre Abbas, enquanto a longo prazo está sobre Israel.

Israel não pode permanecer tanto judaico quanto democrático ao tentar controlar uma população de 4 milhões de palestinos em rápido crescimento, disse Gidi Grinstein, coordenador da equipe de negociação de Israel durante as reuniões em Camp David em 2000.

“Encerrar o controle sobre a população palestina é provavelmente o interesse número um de segurança nacional para o Estado de Israel atualmente”, ele disse.

O conflito entre israelenses e palestinos: um glossário

Camp David: Quando o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, teria feito uma oferta sem precedente de terra por paz a Iasser Arafat em 2000, que o líder palestino recusou. Citado freqüentemente para mostrar a generosidade de Israel e o talento palestino para nunca perder a oportunidade de perder uma oportunidade.

Desocupação: A retirada dos colonos judeus e das tropas israelenses da Faixa de Gaza e norte da Cisjordânia em 2005. Pretendida pelo ex-primeiro-ministro Ariel Sharon para impedir futuras retiradas e concessões aos palestinos. Uma ação unilateral responsabilizada em parte pelo enfraquecimento do Fatah e pelo fortalecimento do Hamas em Gaza.

Time dos Sonhos (Dream Team): Termo usado por estudiosos e analistas para descrever a atual liderança israelense e palestina, com a conclusão de que nenhuma constelação de grandes figuras políticas em ambos os lados se materializou —nem nunca se materializará novamente— e que estão mais dispostas por virtude de suas supostas políticas moderadas a chegarem a um acordo. O grupo inclui Abbas e o primeiro-ministro Salam Fayyad de um lado, e Olmer, o presidente Shimon Peres, a chanceler Tzipi Livni e Haim Ramon no outro.

Entidade: Como em “entidade sionista”, uma frase tradicionalmente usada por alguns palestinos para se referir a Israel em vez de reconhecê-lo como Estado. Agora também usada para descrever os territórios palestinos, para transmitir a falta de estruturas de governo autônomas e coerentes lá.

Questões do Status-Final: As disputas no centro do conflito entre israelenses e palestinos, que dificilmente serão abordadas em Annapolis. Elas incluem as fronteiras finais de Israel e um Estado palestino independente, os assentamentos israelenses na Cisjordânia, os refugiados palestinos e o status de Jerusalém, que ambas as partes reivindicam como sua capital.

Deus: Até as conseqüências da guerra entre árabes e israelenses de 1967, raramente invocado por qualquer lado do conflito entre israelenses e palestinos, que é visto pelos nacionalistas seculares que dominam ambos os lados do conflito como principalmente uma disputa de terras.

Mandela: Como em “Onde está o Mandela deles?” —uma pergunta ouvida com freqüência pelos israelenses para expressar seu ceticismo em relação à capacidade palestina de apresentar uma liderança capaz da paz. “Onde está o De Klerk deles?” respondem freqüentemente os palestinos —uma referência a Frederik Willem de Klerk, o último presidente da era do apartheid na África do Sul que ajudou Mandela o orquestrar o fim do sistema de segregação racial.

Moser: Literalmente “entregador” em hebreu. Termo pejorativo usados pelos israelenses ultranacionalistas para descrever qualquer um que entregue terras aos palestinos. Yitzhak Rabin foi condenado de ser um ‘moser’ antes de seu assassinato por um judeu ultranacionalista em 1995, assim como Sharon, quando retirou os colonos e soldados judeus da Faixa de Gaza em 2005.

Postos avançados: Pré-assentamentos de colonos judeus na Cisjordânia, em terras que os palestinos reivindicam para um futuro Estado. Em 2001, havia 51.

Oslo: – Local de negociações secretas no início dos anos 90 que resultaram no reconhecimento de Israel pela Organização para a Libertação da Palestina e no estabelecimento da Autoridade Palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os acordos de mesmo nome deveriam ter produzido um acordo de status final até o final de 1998.

Palestina: George W. Bush foi o primeiro presidente americano a usar o nome do proposto Estado palestino em um discurso para a Assembléia Geral da ONU, em 10 de novembro de 2001. Bush também foi o primeiro líder americano a apoiar formalmente uma solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos.

Processo de paz: Frase que entrou em uso em meados dos anos 70 para descrever os esforços liderados pelos Estados Unidos para se chegar a um acordo negociado entre Israel e seus vizinhos árabes.

Direito de retorno: Segundo uma lei israelense de 1951, o direito de cidadania israelense a todos os judeus de todo o mundo. Posteriormente invocado pelos palestinos alegando sua prerrogativa de voltar para as áreas de Israel das quais eles ou suas famílias fugiram ou foram forçadas a abandonar na luta após a criação de Israel em 1948.

Roteiro para a paz: Plano de paz iniciado pela União Européia em 2002 e posteriormente adotado pelo governo Bush. Israel e os palestinos endossaram versões diferentes do plano, com o primeiro o aprovando com 14 reservas. O plano deveria ter culminado em um Estado palestino em 2005.

Saratan: “Câncer” em árabe. Termo aplicado por radicais islâmicos como o Hamas à existência do Estado de Israel no Oriente Médio.

Assentamentos: Comunidades de colonos judeus na Cisjordânia e em terras que os palestinos reivindicam para um Estado. Vistos por alguns israelenses como uma zona tampão protetora para o restante de Israel, por outros como uma alternativa barata de moradia e por outros como uma herança de Deus ao povo judeu. Há aproximadamente 450 mil colonos na Cisjordânia.

Fonte: Cox Newspapers

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