Levantamento inédito do instituto Projor, ligado ao site Observatório da Imprensa, mostra que 50,2% das concessões outorgadas de 1999 a 2004 pertencem a entidades – muitas vezes de fachada – controladas por políticos.

A antena fica no alto da Torre de Oração, um edifício de cinco andares com janelas protegidas por vidro fumê. No térreo, um auditório de cinco mil assentos reúne os fiéis da Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus, que tem outros dois mil templos espalhados pelo Brasil e no exterior. Um andar acima fica o estúdio, decorado com adesivos de campanha do pastor evangélico e deputado distrital Rubens Brunelli (DEM). De lá, transmitem-se cultos e música gospel aos fiéis da cidade-satélite de Taguatinga.

No ar há quatro anos, a emissora Casa da Bênção é um retrato do loteamento das rádios comunitárias entre políticos e entidades religiosas. Abertas para democratizar o acesso de associações de moradores e ONGs à comunicação, as ondas curtas se tornaram território livre para a ação de prefeitos, vereadores e deputados em todo o país.

Coordenador do estudo, o pesquisador Venício Lima, da Universidade de Brasília (UnB), batizou o fenômeno de neocoronelismo eletrônico, uma nova face da histórica partilha de concessões comerciais de rádio e TV entre parlamentares.

– As licenças para o funcionamento de emissoras comunitárias se tornaram moeda de barganha política. Mesmo quando o pedido surge numa associação independente, o vínculo partidário passa a ser uma necessidade para se conseguir a autorização legal – explica Lima.

No terreno pantanoso das rádios comunitárias, a clandestinidade ainda é regra após nove anos de regulamentação por lei federal. Das cerca de 20 mil emissoras que funcionam no país, pouco mais de 2.700 têm autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para funcionar. A dificuldade para se obter a licença caminha ao lado da rejeição de entidades do setor ao conceito de rádio pirata, usado pela Polícia Federal nas operações que lacram equipamentos de som e podem condenar os programadores a até três anos de prisão.

A burocracia criou atalhos para a intervenção dos políticos, explica Venício Lima. Para conquistar a outorga, os interessados têm que reunir uma pilha de documentos e percorrer um labirinto que começa no Ministério das Comunicações, passa pelo Palácio do Planalto e atravessa diversas comissões na Câmara e no Senado até chegar ao Diário Oficial. Em 2002, o fim das delegacias regionais do ministério transferiu para Brasília o início do processo, que acontecia nas regiões de origem das rádios. Em estados como Tocantins, a hegemonia dos políticos já chega a 85,7% das licenças.

– O trâmite é viciado desde o início. Se a associação não tiver um padrinho político, é muito difícil que consiga chegar até o fim – diz o pesquisador da UnB.

A tese é confirmada pela disparidade na duração dos pedidos. Alguns processos se arrastam desde 1998, enquanto outros recebem o último carimbo em menos de dois anos. No governo Lula, a fila ganhou um novo guichê: a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, que encaminha cada reivindicação ao Congresso. Ninguém sabe explicar a diferença de velocidade nos ritos.

O estudo do Projor revela outra novidade: no lugar de deputados e senadores, que disputam as concessões comerciais de rádio e TV desde a ditadura militar, entraram em cena agentes de expressão local, como vereadores, prefeitos e dirigentes municipais de partidos. São esses políticos que controlam os pequenos redutos eleitorais. Nas cidades menores, a legislação que impede a abertura de duas emissoras comunitárias a menos de um quilômetro de distância torna-se um instrumento para o monopólio dos microfones.

A corrida às comunitárias também tem explicação financeira: nos últimos anos, a participação das rádios no bolo da receita publicitária da mídia foi reduzida a 4%. Com custos menores e menos encargos fiscais e trabalhistas, já que os funcionários só podem receber “ajuda de custo”, investir em emissoras comunitárias tornou-se um bom negócio.

– Quando perceberam que esse filão era interessante, políticos e igrejas desviaram rapidamente o foco dos pedidos de autorização. Hoje, mais de 70% dos novos processos dizem respeito a rádios comunitárias. Além disso, o dial comercial já está congestionado nas maiores cidades do país – diz o coordenador-geral do Fórum Nacional de Democratização (FNDC), Celso Schröder.

A equação monetária é menos atraente para quem não conta com fontes externas de renda. Os programadores independentes reclamam que a proibição de veicular anúncios mantém as emissoras comunitárias na penúria, à mercê da boa vontade de amigos e parentes para permanecer no ar. A lei prevê a figura do “apoio cultural”, mas não estabelece valores máximos para a venda de espaço publicitário.

Ligado ao vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio (DEM), e candidato derrotado a deputado distrital no ano passado, o radialista Gervásio Oliveira, que comanda a Regional FM, na região administrativa do Cruzeiro, mantém um “departamento comercial” com tabela de preços na internet. O site informa que “as grandes emissoras cobram muito caro” e oferece spots de 30 segundos por R$ 18.

– Mesmo assim, não consigo pagar nem metade dos custos da rádio – queixa-se Oliveira, que diz completar o orçamento de R$ 7 mil mensais com outros veículos do seu pequeno grupo de comunicação, entre os quais um jornal quinzenal com tiragem de cinco mil exemplares.

Fonte: O Globo

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