Uma pequena controvérsia a respeito de como a Universidade Harvard pratica a tolerância foi desencadeada por duas questões relativas às crenças muçulmanas – se a chamada para as orações deve soar em Harvard Yard (área gramada da universidade de cerca de 100 mil metros quadrados) e se as mulheres devem contar com um horário exclusivo no ginásio de esportes.

De acordo com os alunos da universidade, debates acalorados irromperam em salas de discussão dos dormitórios, e diversos artigos de opinião no jornal dos estudantes, “The Harvard Crimson”, criticaram ambas as práticas.

“Creio que devido ao fato de Harvard ser um campus secular, há um temor por parte de alguns alunos de que crenças ou práticas religiosas possam ser impostas a pessoas que não querem ter nada a ver com essas tradições”, diz Jessa Birdsall, uma aluna do segundo ano que diz acreditar que a universidade poderia acomodar as crenças de todos os estudantes.

O debate teve início no início de fevereiro, quando a faculdade de cursos de graduação reservou um dos três maiores ginásios do seu campus principal, o Quadrangle Recreational Athletic Center, apenas para as mulheres nas segundas-feiras de 15h às 17h, e nas terças e quintas de 8h às 10h.

O porta-voz da faculdade, Robert Mitchell, não quis descrever como se chegou a tal decisão, mas vários alunos disseram que um pequeno grupo de estudantes muçulmanas de graduação que moram no dormitório Leverett House solicitaram a mudança.

Esse grupo de mulheres achou que as roupas de ginástica violavam a prescrição muçulmana de que os dois sexos devem usar vestimentas apropriadas em ambientes compartilhados. Assim, elas pediram que o dormitório reservasse os seus mini-ginásios para mulheres algumas horas por semana. O pedido acabou chegando ao Centro de Mulheres da Faculdade Harvard, e ficou decidido que o centro Quadrangle, que segundo Mitchell é a instalação atlética menos utilizada da faculdade, ficaria restrito às mulheres apenas em certos horários. Ele disse que a mudança é uma experiência que será avaliada em junho.

A segundo controvérsia ocorreu quando a adhan, a chamada para as orações, soou mais uma vez em Harvard Yard ao meio-dia, das escadas da Biblioteca Widener, durante vários dias no final de fevereiro. A chamada fez parte da Semana de Consciência Islâmica, patrocinada pelo clube de alunos muçulmanos, a Sociedade Islâmica de Harvard.

Em 13 de março, um artigo de editorial escrito por três alunos de pós-graduação denunciou a prática, que vem ocorrendo há vários anos. Eles escreveram que, embora o pluralismo seja positivo, a adhan apóia a intolerância muçulmana em relação a outras fés, ao afirmar que o profeta Maomé é o mensageiro de Deus. Chamando a prática de proselitismo, o artigo afirmou: “Ao que parece, a adhan é a exceção à regra não verbalizada de Harvard de tolerância e respeito religioso”.

Os argumentos em relação a ambas as questões reduziram-se a uma discussão para determinar se Harvard está sendo admiravelmente tolerante, ou se a universidade está atrapalhando as vidas da maioria a fim de agradar a uma minoria barulhenta.

Rauda Tellawy, aluna do último ano de universidade que cobre o cabelo com um véu, diz que durante as discussões acaloradas sobre os horários do ginásio que se desenrolaram na sala de debates do seu dormitório observou-se que até mesmo alguns homens sentiam-se intimidados pela presença de mulheres no ginásio, caso estas, digamos, não estivessem levantando tantos pesos quanto os atletas masculinos. Tellawi diz que habitualmente sai do ginásio caso haja homens por perto quando ela faz flexões abdominais.

“Mesmo que a gente use roupas largas, eles verão coisa que não deveriam ver”, argumenta Tellawi. “O islamismo não encoraja a mulher a deitar-se em frente a um homem”.

Tellawi não considerou discriminatório o fato de terem sido reservados horários especiais para as mulheres no ginásio. Em vez disso, ela vê a medida como uma solução saudável. Ela observa que os alunos que seguem as regras dietéticas kosher (prática baseada no preparo dos alimentos de acordo com os preceitos judaicos) contam com uma área separada no seu refeitório, e diz que algumas mulheres não muçulmanas também apóiam os horários separados no ginásio.

O novo sistema tem sido criticado por não atrair um número suficiente de mulheres para justificar os horários exclusivos, e vários alunos dizem que talvez apenas 15 pessoas utilizem o centro durante os horários de pico à noite, apesar do fato de contarem com os próprios armários, quadras de squash e basquete, salões de musculação e máquinas de exercício aeróbico.

Nicholas J. Wells, um aluno do primeiro ano que costumava malhar de manhã, diz achar que a mudança foi “injusta para os homens e inconveniente para as mulheres”. Embora seja a favor de que se apóiem as mulheres muçulmanas, ele diz que é necessário que haja uma maneira mais prática de fazer isso, de forma que os moradores do Quad não percam o acesso ao seu principal ginásio.

Lucy M. Caldwell, aluna do primeiro ano, concorda com esse argumento. Ela critica os horários exclusivos para mulheres, afirmando que essa foi uma solução demasiadamente drástica para atender à demanda de uma minoria religiosa, e repele a idéia de que muitas mulheres muçulmanas apóiam a medida.

Quando os novos horários do ginásio foram divulgados, a Universidade Harvard foi atacada na blogosfera como sendo um bastião do liberalismo que descontrolou-se.

Quanto à chamada às orações, os estudantes muçulmanos dizem que a adhan é um fundamento básico do seu credo e que ela não tem nada a ver com a negação de outras fés. O debate concentrou-se mais em determinar se os muçulmanos estariam tendo um direito negado por pessoas de outras religiões.

Um aluno escreveu na seção de cartas do website do “The Crimson”, dizendo que Harvard Yard não é uma sala de aula de religião comparativa, enquanto um outro argumentou que se alunos podem ir até lá pelados e urinar na estátua de John Harvard, sem dúvida há tolerância para com outras culturas.

Muitos alunos mostraram-se indiferentes em relação às duas questões, afirmando estar preocupados com as provas de metade do período.

Taha Abdul-Basser, o capelão muçulmano de Harvard, disse que os dois episódios são um indicador do número crescente de muçulmanos nos Estados Unidos.

“Existem pessoas que simplesmente não se sentem confortáveis com o fato de os muçulmanos, devido às mudanças do quadro demográfico, estarem se tornando cada vez mais visíveis”, disse ele.

Fonte: The New York Times

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