Com a estréia de “A Bússola Dourada” marcada para hoje, nos EUA, muitos cristãos alegam que o filme atrai as crianças para aquilo que eles vêem como uma difamação niilista do autor britânico contra a religião e que afasta a garotada de Deus.
The New York Times Magazine por Christopher D. Ringwald*
O que alguém poderia não apreciar no filme “A Bússola Dourada” (“The Golden Compass”, Estados Unidos/Reino Unido, 2007)?
O primeiro livro da popular trilogia de fantasia para crianças, “Fronteiras do Universo” (“His Dark Materials”), de Philip Pullman, traz a corajosa garota, Lyra Belacqua, que aventura-se em uma jornada à vastidão ártica para resgatar crianças de um laboratório e libertar o seu pai nobre – um cientista maluco – de um castelo remoto. Em determinada passagem ela cavalga um enorme urso polar equipado de armadura pelo território repleto de neve, perseguida por guerreiros tártaros e defendida por bruxas. Muito legal.
Mas com a estréia de “A Bússola Dourada” marcada para esta sexta-feira (7/12), muitos cristãos alegam que o filme atrai as crianças para aquilo que eles vêem como uma difamação niilista do autor britânico contra a religião e que afasta a garotada de Deus.
“Pullman disse que os seus livros nada têm a ver com ‘matar Deus'”, afirma Kiera McCaffrey, co-autora de um livreto de advertência a respeito da trilogia de Pullman e integrante da Liga Católica para Direitos Civis e Religiosos. “Ele adota uma agenda anticatólica e a fornece com um verniz açucarado às crianças”.
O pastor Charlie Muller, da Igreja Victory Christian, em Albany, teme que os jovens urbanos aos quais ele presta assistência percam a fé que os sustenta devido à influência malévola de Hollywood. Baseado naquilo que sabe a respeito do livro e do filme, Muller afirma: “Ele plantará nas crianças as sementes para que elas acreditem que não precisam de ninguém. A Bíblia prega o Deus que está na pessoa. Se alguém retira isso, está retirando dela a esperança”.
Ateu convicto, Pullman gosta de dar declarações públicas que acabam irritando os crentes em Deus. Em 2000, ele disse durante uma conferência literária em Oxford: “Precisamos de uma conexão com o universo, necessitamos daquelas coisas que o Reino dos Céus costumava nos prometer mas que jamais nos forneceu”.
O filme de US$ 180 milhões, “A Bússola Dourada”, estrelando Nicole Kidman e Daniel Craig, está sendo distribuído pelo New Line Cinema, que sem dúvida espera repetir o sucesso global das suas adaptações cinematográficas de “O Senhor dos Anéis”.
McCaffrey e outros reconhecem que o filme, que foi adaptado e dirigido por Chris Weitz (“About a Boy”/”Um Grande Garoto”, Reino Unido, 2002), teve “os seus elementos mais vis extirpados”. Em uma entrevista, Kidman disse que o filme não ofende as suas próprias sensibilidades cristãs.
Mas os críticos dizem que é exatamente essa extirpação que torna o filme
perigoso: ela pode fazer com que os pais que esperam encorajar uma reprise da Pottermania comprem os livros, que são bem mais anti-religiosos do que o filme.
Até o momento, a trilogia de Pullman não necessitou de uma propaganda muito grande: em todo o mundo foram vendidas 14 milhões de cópias de “Fronteiras do Universo”.
Embora o número seja modesto se comparado à obra de J.K. Rowling – que vendeu 325 milhões de cópias -, a realização literária de Pullman não é pequena. Os seus livros da trilogia “Fronteiras do Universo” são mais sedutores e têm tramas mais complexas.
O autor cria personagens profundos, mantém uma tensão narrativa que permeia as páginas e escreve com elegância e discernimento: “Essa é a função dos antigos, preocupar-se com os jovens. E a função dos jovens é zombar da preocupação dos velhos”, diz o Bibliotecário, um dos personagens.
Mas toda fantasia épica necessita de um vilão. O de Pullman é o grupo chamado Magisterium, uma versão calvinista da Igreja Católica sem o papa, controlada por uma rede de bispos, padres e agências secretas. O Magisterium controla grande parte do mundo e procura esmagar toda liberdade, pesquisa intelectual e até mesmo o prazer humano. Nessa tentativa, os seus agentes seqüestram crianças para realizar experiências cruéis com elas.
Pullman é capaz de escrever com uma contundência inacreditável sobre esse tópico. Um “Conselho Vaticano” pondera a execução de um filósofo devido às suas “investigações heréticas”. Um dos bons rebeldes promete “um fim da igreja, e um término dos séculos de escuridão”. Por esses motivos, o autor católico Mark Shea chama os livros de Pullman de uma “campanha de agitação ateísta para crianças”.
Certamente Pullman conta com um amplo material histórico, tal como a inquisição, no qual se inspirar. O fato triste a respeito de qualquer religião é que os seus membros demasiadamente humanos são capazes de deixar muito a desejar na busca pelo divino.
Porém, a hostilidade de Pullman contra a religião, nos seus escritos e declarações públicas, aproxima-se do mesmo grau de intolerância que muitas religiões demonstram com relação a outras crenças. As escrituras cristãs, judaicas e muçulmanas condenam de diversas maneiras os ateus e os que duvidam dos seus preceitos.
O reverendo Joseph Roof, da Igreja Calvary Baptist, em Colonie, no Estado de Nova York, diz que na semana passada recebeu mais de dez alertas de e-mail sobre o livro e o filme, por parte de outros pastores e grupos de expressão nacional. Ele pretende ler “A Bússola Dourada” antes de falar no púlpito, conforme fez em relação a outros livros.
“Nós advertimos as pessoas a respeito de Harry Potter”, diz Roof, aludindo ao conteúdo ocultista apresentado fora de um contexto bíblico. Vários cristãos conservadores fizeram propaganda contra as aventuras do melhor aluno de Hogwarts.
Os sete livros de Rowling geraram reações mistas entre os católicos. “Não temos nenhum problema com Harry Potter”, afirma McCaffrey, da Liga Católica. Mas quando o “Our Sunday Visitor”, uma revista católica conservadora semanal, que é distribuída em todos os Estados Unidos, publicou uma avaliação positiva dos livros, diversos leitores cancelaram as suas assinaturas, conta David Scott, que à época era o editor da publicação.
*Christopher D. Ringwald é um escritor e jornalista de Albany, no Estado do Nova York. O seu último livro é “A Day Apart: How Jews, Christians, and Muslims Find Faith, Freedom and Joy on the Sabbath”/”Um Dia Reservado: Como Judeus, Cristãos e Muçulmanos Descobrem Fé, Liberdade e Alegria no Sabbath”.
Fonte: The New York Times