País debate alterações em legislação de direitos civis para eliminar restrições à maconha e liberar aborto e casamento gay

Às vésperas de aprovar o fim de restrições à maconha, ao aborto e ao matrimônio gay, o pacato Uruguai aos poucos se posiciona como vanguarda no que diz respeito a leis relacionadas a direitos civis na América Latina.

Em distintos estágios, as três estão no Congresso e a previsão é que terminem de ser votadas ainda neste ano. O aborto já passou pela Câmara de Deputados.

Por trás delas, há um grupo de jovens legisladores da Frente Ampla, coligação de esquerda que o presidente Jose “Pepe” Mujica integra.

Sebastian Sabini, 31, é professor de história e recebeu a Folha em seu gabinete na Assembleia Legislativa de jeans e tênis vermelhos. “Trouxemos uma nova agenda, mas não estamos fazendo nenhuma revolução, ela é coerente com a tradição do país.”

“Somos um Estado laico, que não proibiu o consumo de maconha nem durante a ditadura e sempre esteve adiante em temas como divórcio e direitos civis em geral”, acrescenta Sabini.

O projeto tem no presidente Mujica e em seu ministro de Defesa, Eleuterio Huidobro, ambos ex-guerrilheiros, seus maiores entusiastas.

Segundo o texto, o Estado produzirá e controlará a produção da droga. Serão criadas empresas públicas para as plantações, e cada cidadão poderá comprar até 40 cigarros por mês após registrar-se como usuário. Só valerá para uruguaios ou residentes.

“Dessa forma, pretendemos combater o narcotráfico. Hoje, de cada três presos no Uruguai, um está relacionado ao problema da droga. A estratégia proibicionista de países como Colômbia e México não trouxe resultados e criou mais violência”, diz.

Segundo o Ministério da Defesa uruguaio, a maconha é um negócio que move US$ 75 milhões por ano e conta com 1.200 vendedores e distribuidores. O país possui 3,3 milhões de habitantes.

Uma pesquisa do Observatório Uruguaio de Drogas diz que 20% dos uruguaios entre 15 e 65 anos já provaram maconha alguma vez; 25% fumam regularmente; 21,1%, algumas vezes por semana; e 14,6%, diariamente.

Os planos do governo são produzir 81 mil quilos de maconha por ano, para atender a cerca de 150 mil consumidores, numa área de pelo menos 64 hectares.

A Frente Ampla possui uma maioria pequena na Câmara dos Deputados e no Senado. Por isso, a aprovação de cada uma dessas leis tem de ser muito negociada.

No caso do aborto, a proposta da coligação era mais ampla e foi rejeitada. Em setembro, os deputados acabaram aprovando uma lei alternativa, da oposição, que estabelece uma junta à qual a mulher tem de se apresentar e justificar suas intenções.

Alguns movimentos feministas reclamaram, alegando que se tratava de um constrangimento, e houve um protesto de mulheres nuas do lado de fora do Parlamento.

[b]OPINIÕES CONTRÁRIAS
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No caso da maconha, a disputa é mais acirrada, e alguns deputados ainda não definiram o voto. O governo é pressionado pelos dois lados.

Por um, a direita, liderada por deputados como Pedro Bordaberry (filho do ditador Juan María Bordaberry), diz que a liberação vai aumentar os índices de violência. “Precisamos de leis para combater a violência, e não para legalizar as drogas”, diz.

O ex-presidente Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla, médico e pré-candidato a suceder Mujica, posicionou-se contra, dizendo que a maconha prejudica a saúde e leva a outros vícios.

Por outro lado, entre os consumidores, a grita é para que a lei contemple o cultivo próprio, hoje proibido.

O diretor da Associação de Estudos da Cannabis do Uruguai, Juan Vaz, diz temer o fato de que o Estado terá uma lista de usuários. “Na verdade, a lei é um passo atrás, uma vez que o consumo aqui já é despenalizado. O que muda é que agora vamos estar sob a vigilância do governo. Uma lista estigmatiza.”

Em artigo no jornal “El País”, o escritor peruano Mario Vargas Llosa disse, referindo-se ao projeto da maconha, que o Uruguai hoje é um “modelo de legalidade, liberdade, progresso e criatividade”.

[b]Para professor, fatores culturais explicam as mudanças no país[/b]

Para Antonio Perez García, professor de psicologia social da Universidad de la República, o bom acolhimento de leis liberais no Uruguai não é uma novidade e está explicada por fatores culturais.

“Nunca fomos um país da cristandade. A igreja aqui se estabeleceu muito tarde. E Montevidéu é uma cidade de porto, sempre muito aberta a estrangeiros”, resume.

Perez García faz referência aos tempos em que a cidade vivia muito do contrabando, durante a colonização espanhola. E também ao período em que passou sitiada, no século 19, resistindo a forças argentinas por meio da luta de imigrantes estrangeiros.

“Desde então, tivemos muita influência de ideias inglesas, holandesas, italianas. Isso, associado ao fato de que a religião católica nunca conseguiu se impor muito, faz com que comparativamente a outros países da América Latina tenhamos um olhar mais acolhedor e menos restritivo”, argumenta.

Para Oscar Vilhena, professor da Fundação Getulio Vargas, o Uruguai está dando passos em sintonia com o atual estágio do debate sobre drogas em nível regional.

“O discurso de combater pela força vigorou nos últimos 40 anos, mas agora a ideia de que a estratégia fracassou está se impondo”, diz.

“Não vejo o Brasil muito distante de chegar a esse nível de debate. É positivo que comece na América do Sul num país como o Uruguai, pequeno e próximo ao Brasil. Terá efeito positivo na discussão aqui”, acrescenta.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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