O direito de as mulheres exercerem o sacerdócio é um dos maiores e mais antigos tabus do catolicismo. Alheia ao movimento feminista, que já completa mais de quatro décadas, e a todas as conquistas decorrentes dele, a Igreja de Roma é intransigente em relação a qualquer mudança em suas leis que amplie o poder feminino na hierarquia cristã.

Cada vez mais incomodadas com a situação, as próprias católicas resolveram se rebelar.

Uma série de iniciativas se espalham pelo mundo na tentativa de insuflar o debate na sociedade. E, principalmente, incomodar a Santa Sé, a ponto de ele não poder ficar indiferente. Em março, por exemplo, um grupo de 300 religiosas se postou em frente à embaixada do Vaticano, em Washington.

As mulheres protestavam contra a ameaça de excomunhão do padre Roy Bourgeois, 71 anos, que em agosto do ano passado ordenou uma freira na Geórgia. O sacerdote deveria ter se retratado até o dia 10 de dezembro, mas preferiu não voltar atrás na decisão. “Jamais poderia retroceder em um ato de justiça”, disse o reverendo à ISTOÉ.

Para coibir a rebeldia das freiras americanas, o Vaticano enviou uma comissão de eclesiásticos para avaliar as congregações femininas nos EUA.

Exceto a Igreja Católica, a maioria das religiões cristãs – que não têm uma autoridade centralizada – já supera a questão do gênero no sacerdócio. Até mesmo a conservadora Igreja da Inglaterra, a mais tradicional entre os anglicanos, realizou em fevereiro a última votação para regulamentar a ordenação de mulheres, que entrará em vigor em 2010. Foram 281 votos a favor e 114 contra. Cerca de 80% das igrejas anglicanas de todo o mundo já permitem a ordenação feminina.

O papa Bento XVI é o alvo preferencial das manifestações. No dia 16 de abril do ano passado, enquanto comemorava seu aniversário na Casa Branca, cerca de 1,3 mil religiosas de diversos países se reuniram no evento Giving the Gift of Women’s Leadership (Presenteando com a Liderança Feminina).

Na ocasião, mesmo sob o risco da excomunhão, elas realizaram missas em conformidade com os ritos canônicos. O objetivo era pedir ao sumo pontífice a inclusão da ordenação feminina na pauta de debate do Vaticano.

A Igreja Católica alega não permitir o sacerdócio de mulheres porque Jesus teria escolhido apenas homens para pregar o Evangelho – os apóstolos. “A Bíblia diz que somos todos iguais perante Deus, mas a Igreja trata homens e mulheres de forma diferente”, contesta Aisha Taylor, diretora da Women’s Ordination Conference (Conferência pela Ordenação de Mulheres). “Os sacerdotes não querem compartilhar o poder porque temem o avanço feminino, já que elas são maioria”, afirma o padre Roy Bourgeois, que irá ao Vaticano no dia 22 de julho para tentar abordar o tema num encontro com Bento XVI. Segundo levantamento do grupo Women Priests (Mulheres Sacerdotisas), oito em cada dez teólogos no mundo apoiam a ordenação de mulheres.

Os partidários da renovação católica acreditam que a ordenação de mulheres poderia ser uma solução para um dos maiores problemas da Igreja na atualidade – a crise de vocação. Segundo o anuário pontifício de 2009, a Instituição Católica conta com cinco mil bispos, 408 mil padres e 36 mil diáconos em todo o mundo.

Em contraste, o número de religiosas chega a 810 mil. “Ao longo dos anos, conheci padres incapazes de serem párocos e mulheres consagradas na direção das comunidades”, afirma dom Clemente Isnard, que defende o fim do celibato de padres e a ordenação de mulheres. “Nas numerosas congregações femininas, muitas mulheres brilham mais do que os homens.”

Segundo o bispo Glauco Soares, da Igreja Anglicana no Brasil, os católicos confundem sociologia e teologia para justificar a supremacia masculina: “Os apóstolos eram homens porque a sociedade era patriarcal, não porque Jesus Cristo determinou que apenas eles poderiam representá-lo.” O padre Juarez de Castro, da Cúria Metropolitana de São Paulo, nega o sexismo, apesar de justificar que é o homem que carrega o papel histórico de chefe da casa: “Não é que as mulheres sejam inferiores, é apenas uma questão de ministério.”

As mulheres de Jesus

As mulheres tiveram participação fundamental na vida de Jesus. Além da presença constante de Maria, que costumava dar conselhos ao filho, foi com a ajuda de uma samaritana que ele mobilizou a multidão nos seus primeiros sermões. Maria Madalena, uma das discípulas mais devotas, foi escolhida para receber a mensagem da ressurreição e informar o milagre aos apóstolos. Marta o acompanhou durante a crucificação, enquanto muitos dos seus seguidores homens o abandonaram.

Fonte: Revista Isto É

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