Zhang QingliZhang Qingli (foto), o chefe do Partido Comunista no Tibete, fala sobre o papel do Dalai Lama, a difícil relação de Pequim com a religião budista e as políticas da China sobre religião. “O que ele [Dalai Lama] fez pela paz?”, pergunta Zhang Qingli, considerado um confidente de Hu Jintao, o chefe de Estado da China e líder do Partido Comunista. Confira a entrevista.

Senhor Zhang, o Tibete é tradicionalmente um país profundamente religioso, enquanto o Partido Comunista chinês é secular. Marx chamou a religião de ópio do povo. Como o senhor reconcilia os dois?

A natureza é diversificada. Formas de vida diferentes coexistem e o mundo é colorido. Isso também é verdade quando se trata de ideologias. Nós enfatizamos a harmonia, de modo que diferentes ideologias e idéias possam conviver em paz. O governo chinês pratica a liberdade religiosa.

Mas desde quando o Partido Comunista tolera a religião em sua forma atual?

O partido e o governo têm uma clara política sobre religião.
Primeiro, temos liberdade religiosa. Segundo, as comunidades religiosas devem tomar suas próprias decisões e não podemos ter interferência do exterior. Terceiro, elas devem ser conduzidas e administradas segundo as leis. E finalmente nós lhes mostramos como se integrar à sociedade socialista. Você pode ver isso no Tibete, onde as pessoas fazem peregrinações aos templos, giram suas rodas de orações e rezam para Buda.

O Dalai Lama é um dos líderes religiosos mais populares do mundo, e é profundamente reverenciado pela população do Tibete. Mas o governo de Pequim o considera um separatista desprezível. Por quê?

Nossa política em relação ao Dalai Lama é clara e coerente.
Depois da fundação da República Popular e da libertação pacífica do Tibete, ele foi eleito para um cargo de liderança no Congresso Nacional do Povo em 1954. Ele permaneceu um membro daquele órgão até 1964. Em 1956 ele foi nomeado diretor do comitê preparatório para a Região Autônoma do Tibete.

Tudo isso foi feito para que a liberdade religiosa fosse garantida e para que o Tibete pudesse ser integrado à grande família das nações socialistas.

Ele fugiu do país em 1959. Não há dúvida de que naquela época era um líder religioso amplamente respeitado.

E hoje não é mais?

Ele fez muitas coisas erradas mais tarde, que contradizem o papel de um líder religioso. A questão central é esta: todos devem amar sua pátria. Como pode ser que ele nem sequer ame sua pátria? Nós temos um ditado: “Nenhum cachorro vê a sujeira em sua própria casa, e um filho nunca descreveria sua mãe como feia”.

O Dalai Lama não ama o Tibete?

O Tibete é o lar do 14º Dalai Lama, mas a China é sua pátria e ele decepcionou sua pátria. Ele se rebelou nos anos 50 e no final dos anos 80 incitou a rebelião em Lhasa que foi dirigida contra o povo, o governo e a sociedade. Ele desestabilizou o Tibete.

O Dalai Lama é muito respeitado em todo o mundo.

Se eu me lembro corretamente, a partir de 1959 até a metade deste ano ele fez 312 visitas a lugares em todo o mundo, o que dá uma média de seis países por ano. Chegaram a 12 em 2005. E o que ele fez durante essas visitas? O objetivo dessas chamadas visitas oficiais era formar alianças com forças antichinesas e praticar propaganda de suas opiniões separatistas, que conflitam com a religião.

Mas muito mudou no mundo nos últimos 20 anos. A China se abriu e o comércio tornou-se globalizado. A questão do poder no “teto do mundo” foi resolvida. Hoje o Dalai Lama abandonou suas reivindicações de independência e concorda com uma ampla autonomia para o Tibete. Por que a China não é generosa e confiante o suficiente para permitir que o Dalai Lama volte a seu país, como ele gostaria? Ele ainda representa uma ameaça para vocês?

Temos uma política clara. A porta das negociações sempre estará aberta para ele, mas somente quando ele realmente abandonar suas intenções de dividir a pátria, intenções que são dirigidas contra a sociedade e o povo, somente quando ele abandonar suas atividades separatistas e só quando ele declarar abertamente ao mundo que desistiu das reivindicações de independência para o Tibete.

Ele não fez isso há muito tempo?

O problema é que seu comportamento e suas declarações são contraditórios. Ele diz: “Eu quero tomar o caminho do meio e aceito que só há uma China”. Mas na realidade ele não passou um único dia sem tentar dividir a pátria.

O que o senhor quer dizer com isso?

Zhang – O seu chamado caminho do meio significa isto: ele quer integrar ao Tibete as áreas de assentamento tibetano nas províncias de Sichuan, Yunnan, Qinghai e Gansu. Ele quer ser encarregado desse “Grande Tibete” e exige que o Exército de Libertação do Povo seja retirado da região. Além disso, ele quer ver o retorno ao reino feudal anterior, teocrático, sombrio e impiedoso como era. Naquele tempo, as autoridades do governo, os nobres e os monges governavam 95% da população. E ele quer ainda mais autonomia para o Tibete do que foi dada a Hong Kong e Macau. Isso é separatismo.

Mas já não houve negociações entre representantes do Dalai Lama e Pequim?

Seu governo no exílio é ilegal. Nosso governo central nunca o reconheceu. Nenhum país no mundo, incluindo a Alemanha, o reconhece diplomaticamente. Não há negociações entre os chineses e seu chamado governo no exílio. Os atuais contatos simplesmente envolvem alguns indivíduos de seu entorno imediato. As negociações giram em torno de seu futuro pessoal.

O Dalai Lama goza de grande simpatia nos EUA, na Europa e na Ásia, também porque o Partido Comunista Chinês não é especialmente democrático.

Francamente, o número de pessoas que conhecem o verdadeiro Dalai Lama é muito pequeno. Seus defensores incluem inimigos da China, mas também os verdadeiros fiéis, que estão sendo desviados por esse falso líder religioso. E finalmente há aqueles que não entendem a verdadeira situação real.

Não obstante, o Dalai Lama é um vencedor do Prêmio Nobel da Paz.

Nunca entendi por que uma pessoa como o Dalai Lama foi honrado com esse prêmio. O que ele fez pela paz? Quanta culpa ele tem em relação ao povo tibetano! Quantos danos ele causou ao Tibete e à China! Não consigo entender por que tantos países se interessam por ele.

Para muitos europeus, o Tibete ainda é um país cheio de mitos. Uma nova ferrovia para Lhasa foi inaugurada algumas semanas atrás. O que isso significa para o Tibete?

Estamos muito contentes com essa ferrovia. Todos estão convencidos de que o que o Partido Comunista alcançou no teto do mundo é um milagre. Ela demonstra a força da China e seu progresso econômico e tecnológico. Mas, mais importante, a ferrovia mostra que o Partido Comunista Chinês está fazendo tudo o que pode para melhorar a vida das várias nacionalidades nas regiões de fronteira. O Tibete hoje está ligado economicamente a outras províncias e ao resto do mundo.

Existem rumores de que a China tem armas nucleares estacionadas no Tibete. O senhor pode confirmar isso?

Posso lhe garantir com toda a responsabilidade que tudo isso é uma fantasia completa. Não há fábrica de armas nucleares no Tibete.

O Dalai Lama tem 71 anos. Ele sugeriu que talvez não haja um sucessor ou uma reencarnação. Como o senhor reagirá? Vai encorajar assim mesmo uma busca por uma reencarnação?

O atual Dalai Lama é o 14º. Não sabemos por quanto tempo ele viverá. Acreditamos que as pessoas boas vivem mais, enquanto as pessoas más têm vidas mais curtas.

Então o Dalai Lama, aos 71, deve ser uma boa pessoa.

É difícil dizer se ele é bom ou mau. Mas quando consideramos seus atos, não parece ser uma boa pessoa.

Se o Dalai Lama não quer um sucessor, o Partido Comunista acha bom? Ou fará seus próprios esforços para buscar um sucessor no Tibete?

Sempre existiu um sistema específico para buscar um sucessor para o Dalai Lama e o Panchen Lama. Segundo as regras históricas e os rituais religiosos, os monges devem viajar por todo o país e tirar a sorte da Urna Dourada. Mas o governo central tem a decisão final.

Haverá um Dalai Lama oficial e um oficioso, um no Tibete e outro na Índia? Afinal, desde 1995 há uma disputa sobre o Panchen Lama, o segundo líder religioso mais importante do Tibete. O Dalai Lama reconheceu um Panchen Lama, mas Pequim aprovou outro.

A reencarnação do Panchen Lama é regulamentada desde a dinastia Qing, isto é, desde o século 17. A nomeação do 11º Panchen Lama foi feita estritamente de acordo com as regras históricas. É por isso que ele foi reconhecido pelo governo central. Ele é o Panchen Lama legal. O Dalai Lama infringiu as regras históricas durante a busca pelo Panchen Lama. Ele nem sequer tinha a Urna Dourada da qual tirar a sorte. O Dalai Lama cria o caos.

Mas o mercado para ele aqui no Tibete está encolhendo.

A religião parece estar ganhando forças em muitas partes do mundo, como nas regiões predominantemente islâmicas e nos EUA. A religião também não está em ascensão no Tibete?

Religião é um fenômeno histórico que continuará existindo por muito tempo. Nossa política religiosa é muito branda, é aceitar as realidades. Mas a religião não pode operar contra a lei e não pode interferir na justiça, educação, produção e trabalho. Na China as pessoas são livres para acreditar ou não. Não nos envolvemos nessa decisão pessoal.

Mas vocês anunciaram planos para reforçar a chamada campanha de educação patriótica nos mosteiros, que também é dirigida contra os defensores do Dalai Lama.

Todos os países do mundo ensinam seu povo a amar a pátria.
Estamos organizando educação patriótica em todo lugar, não apenas nos mosteiros. Aqueles que não amam seu país não são qualificados como seres humanos. É uma questão de senso comum.

É verdade que o senhor fala tibetano?

Só algumas palavras. Estou aqui há apenas alguns meses. Mas quero aprender a língua.

Senhor Zhang, obrigado por esta entrevista.

SOBRE ZHANG QINGLI

Zhang Qingli é considerado um confidente de Hu Jintao, o chefe de Estado da China e líder do Partido Comunista. Antes de sua nomeação como chefe do Partido Comunista no Tibete, Zhang serviu como alto funcionário na região de Xinjiang – onde um movimento separatista da população de maioria muçulmana busca a independência. Pequim considera o Tibete parte da China desde o século 13, na dinastia Yuan. Cinco mil soldados tibetanos morreram durante a suposta “libertação pacífica” da região. Em 1959 os tibetanos se rebelaram contra a China e o Dalai Lama fugiu para a Índia. Em 1989, um ataque sangrento esmagou um novo movimento de protesto.

Fonte: Der Spiegel

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