Tentativas das lojas de permitir a venda de bebidas alcoólicas nosul dos EUA estão enfrentando a resistência feroz de alguns grupos de igrejas e líderes religiosos. Eles argumentam que o retorno àqueles dias nos quais as bebidas alcoólicas fluíam significaria mais violência familiar, o consumo de álcool por menores de idade, direção de veículos por motoristas bêbados e uma decadência moral generalizada na comunidade.

Embora grande parte dos Estados Unidos tenha acabado com a proibição das bebidas alcoólicas há 73 anos, diversas regiões do sul do país continuam proibindo com rigor a venda do álcool.

Mas os interesses empresariais locais e nacionais, de olho nos lucros derivados da venda de álcool, incluindo os construtores de projetos imobiliários, as redes de supermercados, os grupos de restaurantes e a Wal-Mart, estão unindo as suas forças políticas e financeiras no sentido de persuadir centenas de cidades e condados nos quais vigora a lei seca a abolir a proibição da venda de bebidas alcoólicas. Neste processo, eles estão modificando a feição da região conhecida por “Cinturão da Bíblia”, que costumava ser irredutível quanto a esse tipo de questão.

Desde 2002, grupos empresariais gastaram mais de US$ 15 milhões em campanhas, incluindo a contratação de lobistas profissionais, no sentido de persuadir os eleitores em cerca de 200 cidades e 25 condados regidos pela lei seca, em seis Estados do sul, a legalizar a venda de álcool no comércio e nos restaurantes.

A Wal-Mart financiou dezenas de eleições locais, contribuindo com cifras de US$ 5.000 a US$ 20 mil por campanha, afirma Tim Reeves, da Beverage Election Specialists, organização que apóia os referendos locais sobre a venda de álcool.

A Wal-Mart localizada em um condado de Arkansas regido pela lei seca proíbe o consumo de bebidas alcoólicas nas dependências da empresa. Mas a rede gigante de lojas se mobilizou no ano passado no sentido de vender mais bebidas destiladas, assim como cerveja e álcool, nas suas lojas.

Tentativas da Wal-Mart e de outras lojas de permitir a venda de bebidas alcoólicas em outros locais – 415 condados no sul do país e no Kansas ainda proíbem tais vendas – estão enfrentando a resistência feroz de alguns grupos de igrejas e líderes religiosos. Eles argumentam que o retorno àqueles dias nos quais as bebidas alcoólicas fluíam significaria mais violência familiar, o consumo de álcool por menores de idade, direção de veículos por motoristas bêbados e uma decadência moral generalizada na comunidade.

Mas os eleitores estão cada vez mais propensos a seguir os ditames do bolso em vez das palavras proferidas pelos pastores nos sermões de domingo. Os defensores do álcool dizem com freqüência que a liberalização das leis aumentaria a arrecadação fiscal e reduziria a necessidade de elevações de impostos sobre propriedade, uma questão importante nas cabeças dos eleitores.

Nos referendos sobre a abolição da lei seca nos últimos quatro anos, a maioria resultou no fim da proibição da venda de bebidas no Texas, no Alabama, em Kentucky, na Carolina do Norte, no Tennessee e em Kansas, onde essas batalhas se concentram. “As comunidades que apresentam argumentos efetivos referentes ao desenvolvimento econômico e aos impostos geralmente ganham os votos pelo fim da proibição”, explica John Hatch, estrategista político de Austin, no Texas.

Algumas igrejas estão adotando uma postura moderada com relação ao consumo de álcool. Mike Hunter, ministro da Primeira Igreja Cristã em Lufkin, no Texas, diz que foi convidado por alguns dos membros do clero conservador da cidade para participar de reuniões contra o fim da proibição do álcool, mas que declinou o convite. “Esta é uma decisão que cabe aos indivíduos”, disse ele. “O consumo legal e responsável de álcool não é uma questão discutida no púlpito da nossa congregação”.

O assunto está agora em discussão em Lufkin, uma velha cidade ferroviária 185 quilômetros a nordeste de Houston. Em uma recente noite de segunda-feira, 175 cidadãos se reuniram no centro cívico da comunidade para expressar a sua oposição à proposta do referendo, marcado para novembro.

Caso a medida fosse aprovada, a venda de cerveja e vinho seria permitida em lojas, e a de bebidas destiladas em restaurantes na região de Angelina County. Lufkin é a maior cidade do condado, com 35 mil habitantes.

“Esse é um ataque sem precedentes contra a família”, disse o reverendo Ronnie L. Frankens, pastor da Igreja Pentecostal Homer, no bairro de Diboll, referindo-se ao plebiscito. “Iremos combater isso com unhas e dentes”. As suas palavras exaltadas foram respondidas com gritos de “amém” e “salve Jesus”.

Assim como muitos que participaram da reunião naquela noite, Linda Jones, que trabalha na prefeitura de Lufkin, e cujo marido é pastor da Primeira Igreja Batista, próxima a Moscow, disse achar que a proposta, caso aprovada no referendo, atrairá formas mais perniciosas de comércio, como bares, clubes noturnos e lojas de bebidas. Ela disse que considera o consumo de bebidas alcoólicas um pecado. “A minha avó era alcoólatra, e eu nunca quis ser como ela”, diz Jones.

Do outro lado do debate estão pessoas como Sarah Strinden, uma mãe de quatro filhos que se mudou para Lufkin na década de 1980, vinda de Madison, no Wisconsin. Ela firma que a maioria das pessoas que conhece consome álcool moderadamente, e que apenas apreciariam a conveniência de ser capaz de comprar cerveja e vinho durante as suas visitas regulares ao supermercado. Ela conta que, atualmente, para conseguir vinho para o jantar, é necessária uma viagem de 40 minutos até uma casa de bebidas na vizinha cidade de Nacogdoches.

Clientes que desejam pedir bebidas alcoólicas em restaurantes das áreas do Texas sujeitas à lei seca só podem fazê-lo caso se tornem membros do “clube” do restaurante. Essa filiação é gratuita pra os fregueses, mas os restaurantes precisam despender US$ 20 mil anualmente com a elaboração de registros e as taxas pagas à comissão de bebidas alcoólicas. “Lufkin precisa ingressar na idade moderna”, afirma Strinden.

No sul do país, alguns grupos empresariais parecem concordar com ela, apoiando os esforços no sentido de fazer com que as cidades submetidas à lei seca liberem o consumo de álcool.

“Será muito mais difícil atrair restaurantes e supermercados para a nossa cidade caso eles não possam vender álcool”, argumenta Hatch, o estrategista político que foi contratado para ajudar a aprovar a medida em Angelina.

Hatch e outros defensores da liberação do álcool informam que as suas campanhas foram financiadas por um grupo diverso, que inclui redes de supermercados como Albertson’s, Kroger e Safeway, e grupos de restaurantes como o Brinker International, que é dono do Chili’s Grill, e a Darden Restaurants, proprietária da Red Lobster e do Olive Garden.

E, é claro, a Wal-Mart. “Creio que Sam Walton, sendo um homem de valores familiares, está rolando na sepultura devido a isso”, disse em uma entrevista por telefone Frankens, o pastor da Igreja Pentecostal Homer, referindo-se ao fundador da Wal-Mart. “Estou de fato desapontado com a Wal-Mart como companhia”.

A Wal-Mart não apresenta oficialmente os seus lucros derivados das vendas de bebidas alcoólicas, mas segundo a A.C. Nielsen, no final de 2004 a Wal-Mart teve lucros de US$ 1 bilhão nos Estados Unidos com a venda de álcool, de um total de US$ 229 bilhões.

Lojas e restaurantes dizem que a permissão para vender bebidas alcoólicas não se constitui em uma pré-condição para escolherem uma nova localização, mas que se trata de um fator na equação. Para as redes de restaurantes de jantares informais, a receita média do estabelecimento dobra quando alguém pede uma bebida alcoólica, segundo a firma de pesquisas NPD Group.

O Distilled Spirits Council, um grupo comercial com sede em Washington, especializado em fabricantes de bebidas destiladas, afirma que participou de meia dúzia de eleições locais, com uma combinação de assistência financeira e dados econômicos.

Em Duncanville, um subúrbio de Dallas de 36 mil habitantes, os eleitores se convenceram com o argumento apresentado pela instituição Cidadãos por Mais Compras e Menos Impostos, que foi financiada por moradores da cidade, lojas de conveniência locais e empreendedores imobiliários, bem como pelo Safeway e pela Kroger. O grupo argumentou que a cidade obteria um aumento de receitas fiscais muito necessário caso permitisse a venda de cerveja e vinho em supermercados e lojas de conveniência.

E agora a cidade está presenciando esse aumento das receitas. Antes da votação em setembro de 2003, Duncanville passou por quatro anos de declínio da arrecadação fiscal. Mas as receitas aumentaram ligeiramente nos primeiros dois anos, e subiram 15% nos primeiros sete meses de 2006, em comparação com o mesmo período em 2005, segundo ao superintendente fiscal do Texas. O superintendente municipal de Duncanville, Kent Cagle, calcula que as vendas de cerveja e vinho estejam rendendo US$ 500 mil anualmente em impostos.

“Essa receita extra tem impedido que cortemos novos serviços, e estamos começando a reativar certas coisas que havíamos desativado, como a manutenção de parques, de ruas e de placas”, diz Cagle.

Aqueles que são contrários à venda de álcool dizem que a arrecadação extra tem um preço. Lee Miller, um dos líderes do Angelina Citizens for a Better Community, o grupo que jurou derrotar a medida, aponta para dados do Estado do Texas demonstrando que para cada US$ 1 em impostos estaduais derivados da venda de álcool, há um gasto de US$ 9 com despesas como o tratamento do uso abusivo de bebidas alcoólicas, serviços policiais e acidentes de trânsito.

“Isso não nos beneficiará como comunidade”, diz Miller. “É algo que nos custa mais dinheiro e as vidas dos nossos filhos”. Miller, que é abstêmio, diz que está preocupado com uma eventual aprovação da medida, já que a filha de 12 anos e o filho de 14 terão fácil acesso a bebidas alcoólicas.

Hatch, o estrategista político, argumenta que os números apresentados por Miller referentes aos custos pintam um quadro falso porque não levam em conta os impostos adicionais sobre as vendas coletados dos compradores de bebidas alcoólicas, e somente as receitas derivadas dos impostos pagos pelos comerciantes. A maioria desses impostos segue para os cofres do Estado.

Oscar Dillahunty, 69, que já foi distribuidor de cerveja e que contratou Hatch, além de ter criado a organização Cidadãos do Condado de Angelina pelos Negócios Responsáveis, calcula que o condado poderia arrecadar pelo menos US$ 15 milhões apenas com as vendas anuais de cerveja, o que se traduziria em uma arrecadação de US$ 225 mil para Lufkin, e de US$ 75 mil para o condado. Ele afirma que a sua estimativa se baseia nas vendas em um condado similar no Mississipi, no qual ele já foi distribuidor de cerveja.

Os estudos que apontam para uma relação entre o aumento do número dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas e o crescimento da violência e da quantidade de motoristas bêbados mostram que existe uma maior correlação entre esses problemas e os bares. E a maioria dos plebiscitos realizados no sul dos Estados Unidos não prevê a permissão para a abertura de bares.

Várias autoridades de cidades e condados que recentemente aboliram a proibição da venda de álcool dizem que não observaram um aumento da criminalidade e do número de motoristas alcoolizados. Cagle, o supervisor municipal em Duncanville, diz que a cidade não se transformou em uma “Drunkenville” (algo como “Cidade dos Bêbados”), conforme vaticinaram os grupos religiosos.

Três chefes de polícia – David Walker, de Fort Payne, no Texas; Benny Womack, de Albertville, em Alabama; e Eddie Phillips, de East Ridge, no Tennessee – disseram que não registraram um aumento de ocorrências policiais desde que tiveram início as vendas de álcool nas suas cidades em 2004.

Mas da mesma forma que o caos público previsto devido ao consumo excessivo de álcool com freqüência não se materializa, a prometida prosperidade econômica às vezes também deixa de ocorrer. Em Albertville, no Alabama, o reverendo Willis Kelly, que prega todos os domingos na Primeira Igreja Batista Douglas, diz que ainda está aguardando pelo boom financeiro da cidade.

“Os caras que desejavam abolir a proibição da venda de álcool venderam a idéia de que isso geraria verbas para a construção de uma nova escola”, critica Willis, que liderou a cruzada contra a legalização do álcool. “No ano passado eles arrecadaram apenas um pouco mais de US$ 100 mil em impostos extras. Isso não dá para comparar nem papel higiênico”.

Segundo Willis, nenhum restaurante foi aberto em Albertville, uma cidade de 18 mil habitantes a 100 quilômetros de Birmingham, desde a votação em junho de 2004, e somente um dos dois supermercados da cidade resolveram vender cerveja e vinho.

Jon Howard, diretor de finanças de Albertville, não confirmou as informações de Willis, e o prefeito Carl Pruett se recusou a fazer comentários sobre a economia municipal.

Em Lufkin, onde nos últimos anos a economia tem passado por uma aceleração sem o auxílio das vendas de bebidas alcoólicas, alguns cidadãos desejam apenas que a sua cidade seja um pouco mais como o resto do condado e um pouco menos como o Cinturão da Bíblia. “Este é o século 21”, diz Ernest Rowe, um trabalhador florestal aposentado de 70 anos. “Tudo o que quero é poder comprar a minha caixa de Coors Light, ir para casa e abrir uma cerveja gelada”.

Fonte: The New York Times

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