Lula com as mãos postas e olhos fechados (Foto: Reprodução)
Lula com as mãos postas e olhos fechados (Foto: Reprodução)

O governo, em uma nova tentativa de acalmar as tensões com os evangélicos, adotou uma postura passiva nesta terça-feira e testemunhou o avanço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária para as igrejas. A matéria foi aprovada de forma simbólica na Comissão Especial da Câmara, sem oposição do Palácio do Planalto e com apenas um deputado governista presente. Agora, o texto segue para o plenário, onde há uma tendência de aprovação, mesmo que represente uma perda de arrecadação estimada em R$ 1 bilhão, conforme avaliação do relator da PEC.

Para a aprovação em plenário, são necessários pelo menos 308 votos em dois turnos, um cálculo que os apoiadores da proposta acreditam alcançar facilmente, dado o amplo apoio na Casa. Na etapa anterior, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o governo também não havia apresentado objeções.

Apesar do impacto financeiro em um momento em que o governo busca espaço no Orçamento para manter investimentos e cumprir a meta de déficit zero, o governo pondera que uma resistência à proposta por parte da bancada evangélica acarretaria um custo político elevado.

A relação entre o presidente Lula e o segmento evangélico já é marcada por distanciamento, e a recente comparação feita pelo presidente entre a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza e o Holocausto gerou críticas do grupo religioso. No domingo, o ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu milhares de apoiadores em São Paulo em uma manifestação com forte teor religioso, destacado nos discursos da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e na presença do pastor Silas Malafaia como principal líder do evento.

Em um contexto mais amplo, o Palácio do Planalto tem buscado reduzir os atritos com o Congresso, após desentendimentos causados pelo veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão.

De acordo com o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), autor da PEC, reuniões com a Casa Civil, Fazenda e Planejamento já foram realizadas, e há um compromisso verbal com os governistas para não obstruírem o processo.

O líder do governo na Câmara, deputado Odair Cunha (MG), admite que há uma “tendência” de liberação da bancada.

“Ainda vamos analisar o texto final e deliberar, mas a tendência é não apresentarmos resistência.”

Já o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), diz que há até mesmo a possibilidade de votos favoráveis, já que o impacto financeiro não é considerado significativo.

“Tenho disposição para debater; é uma reivindicação de uma bancada representativa no Congresso que tem diálogo com o governo. Vamos ver como o processo se desenrola na Câmara. De acordo com informações da Fazenda, não é uma proposta que terá grande impacto fiscal. Precisamos discutir o mérito.”

A Fazenda, ao ser questionada, preferiu não comentar sobre os projetos em andamento.

Agora, a bancada evangélica está pressionando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a PEC seja levada ao plenário até a primeira semana de março. O grupo deseja que a promulgação ocorra pouco antes da Semana Santa, após passar pelo Senado.

Atualmente, os templos religiosos são isentos de impostos sobre patrimônio, renda e serviços considerados essenciais para suas atividades, conforme a Constituição. Com a proposta que avançou na terça-feira, os templos também ficariam isentos de impostos sobre a aquisição de bens e serviços “necessários” para construir e manter o patrimônio, assim como para a prestação de serviços das entidades religiosas, como reformas de igrejas. A isenção também abrangeria tributos indiretos, como aqueles sobre a conta de luz.

Entidades relacionadas a igrejas, como comunidades terapêuticas, creches, asilos e escolas, também seriam beneficiadas, segundo a PEC. O texto original previa que a isenção alcançaria também partidos políticos e instituições sem fins lucrativos, mas essa parte não foi adiante.

“Atualmente, o dízimo é taxado duas vezes: primeiro, quando o trabalhador recebe o salário e é descontado; depois, quando a igreja emprega esses valores novamente e é novamente descontado. Isso vai acabar, já que a isenção abrange reformas e serviços sociais”, explicou Crivella.

Impacto fiscal de R$ 1 bilhão

A isenção dos templos seria realizada através da devolução de créditos em conta corrente das entidades que realizarem os pagamentos. Uma lei complementar posterior estabelecerá as regras para essa devolução até 31 de dezembro de 2025.

Segundo o relator da PEC, deputado Fernando Máximo (União-RO), o governo federal deixaria de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão em impostos anuais:

“O impacto fiscal é em torno de R$ 1 bilhão, mas há um retorno direto pelos benefícios que essas instituições trazem para a sociedade. A igreja só poderá se beneficiar dessa isenção se comprovar que o dinheiro usado vem de recursos próprios ou do dízimo e que os valores foram utilizados nessas atividades e obras específicas.”

Como apenas igrejas com CNPJ seriam beneficiadas com as isenções, Crivella prevê que a medida pode aumentar o número de instituições religiosas registradas.

“Atualmente, há cerca de 175 mil templos religiosos com CNPJ, de várias religiões. Sem CNPJ, esse número pode chegar a 500 mil. Acredito que, em busca desse benefício, o número de templos registrados possa aumentar”, afirmou.

Lula já fez gestos para tentar amenizar resistências dos evangélicos desde o início de seu mandato. A Reforma Tributária aprovada no ano passado já havia concedido benefícios. Em fevereiro do ano passado, o PT apoiou a indicação, pela Câmara, do deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) para o Tribunal de Contas da União (TCU) — o Republicanos é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. A base do governo também endossou um acordo costurado por Lira, que levou o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), à vice-presidência da Casa. Ele é bispo licenciado da Universal.

Entenda a proposta

Como é a regra atual:Templos de qualquer religião são isentos de impostos sobre patrimônio, renda e serviços considerados essenciais para o exercício de suas atividades, de acordo com a Constituição. Assim, as igrejas são isentas as igrejas são isentas, por exemplo, de IPTU e de Imposto de Renda (IR).
Como fica, se a PEC avançar: Também ficam isentos de impostos sobre a aquisição de bens e serviços “necessários” para construir e manter o patrimônio e para a prestação de serviços das entidades religiosas, como reformas de igrejas. Há previsão de o benefício abranger tributos indiretos, como os que incidem sobre a conta de luz. A medida vale ainda para a manutenção de entidades religiosas e suas comunidades terapêuticas, creches, asilos, escolas e outras instituições. A isenção dos templos funcionará por meio da devolução de créditos em conta corrente das entidades que tiverem feito os pagamentos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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