A Associação Crianças do Brasil em Trindade (ACBT), entidade filantrópica que abrigava menores de idade carentes ou moradores de rua, teve o registro cassado pela Justiça de Goiás por maus-tratos contra os internos. De acordo com a ação do Ministério Público Estadual (MP-GO), o abrigo submetia crianças e adolescentes ao trabalho doméstico, castigos físicos e psicológicos e restrição religiosa. Ainda conforme o órgão, meninas eram obrigadas a prestar serviços domésticos para membros de uma igreja evangélica da cidade.

[img align=left width=300]http://www.conews.com.br/wp-content/uploads/2017/02/b22ce799edb8d63480024e45ab5b72d923f81a9869a7a4436f9af5d2.jpg[/img]A determinação de cassação foi feita no último dia 9 deste mês, pela juíza Karine Unes Spinelli Bastos, da 1ª Vara Cível da Família e sucessões da comarca de Trindade. Além do fim do registro, a magistrada condenou a associação ao pagamento de R$ 100 mil em indenização por dano moral coletivo, a ser revertido para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O processo segue em segredo de Justiça.

O G1 esteve no endereço onde a instituição funcionava, no bairro Laguna Park, em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia, e encontrou o local desativado, na manhã de segunda-feira (13). A reportagem procurou ainda o coordenador da entidade, pastor Luciano Pereira, que mora em frente à antiga sede, mas ninguém atendeu na residência nem retornou às ligações.

No muro da antiga sede da instituição ainda é possível ver as sombras de tinta do nome da instituição, que foi coberto por uma camada de tinta branca. O resquício da ACBT está nas paredes do local e na lembrança do conselheiro tutelar Fábio Rodrigues Cavalcante, que encontrou, durante uma visita de rotina ao local, em 2014, uma criança com um hematoma no braço, e resolveu apurar a origem.

Em entrevista ao G1, o conselheiro disse que, a partir do depoimento desta criança, o órgão identificou várias vítimas de maus-tratos e abusos por parte da entidade, e o caso passou a ser investigado pelo Ministério Público Estadual de Goiás.

“A gente ficou muito surpreso, porque era uma entidade que, até então, tinha nossa total confiança. Indicávamos e encaminhávamos várias crianças para lá acreditando que naquele local elas teriam o tratamento que precisavam. Até que encontramos esta criança, que foi agredida por uma monitora da entidade. A partir da conversa que tivemos com ela, descobrimos todo o lado obscuro que acontecia naquela organização, de castigos à exploração do trabalho dos menores”, contou.

‘Paredão do castigo’
Segundo Fábio Rodrigues, parte das crianças era obrigada a fazer serviços domésticos na casa de alguns membros da igreja evangélica que o pastor presidia. Em depoimento, internos relataram que quem desobedecia às ordens do pastor e das monitoras era colocado em pé, de frente a uma parede, com os braços abertos, onde eram agredidos.

“É o que eles chamavam de paredão do castigo. Ficava ali quem se recusava a fazer serviços domésticos. Muitas meninas eram colocadas para fazer serviços na igreja, como faxinas, lavar o chão, banheiros. Além disto, eles eram proibidos a frequentar qualquer outro tipo de atividade religiosa que não fosse à da igreja presidida pelo coordenador”, contou ao G1.
Conforme a decisão, todos os relatos de agressões e castigos feitos pelos internos foram comprovados ao logo das investigações do MP-GO e nas instruções processuais. De acordo com a sentença, a ACBT desrespeitava a legislação brasileira, que proíbe a realização de trabalho doméstico por menores de 18 anos.

“A entidade ganhou a confiança e a respeitabilidade por aceitar sempre adolescentes e crianças e por, de alguma forma, mudar a realidade vulnerável de muitas delas. Mas nós jamais imaginávamos que estávamos tirando de uma situação degradante e submetendo elas a uma realidade às vezes pior da vivida antes de entrar lá”, relatou o conselheiro.

Depois do início das investigações, em 2014, a entidade parou de funcionar. A medida da Justiça de cassar o registro da associação é repudiada por muitos moradores e vizinhos da antiga sede da entidade ouvidos pelo G1. Segundo a dona de casa Coraci Rosa Coelho, de 70 anos, o abrigo cumpria uma “função social gigante” na região.

“A gente só via testemunho bom dessa organização aqui, tirava os meninos da rua, da marginalidade e botava no eixo, levando para a Igreja, seguindo os princípios da fé. Eu já cansei de ver menino marginal se endireitar por meio da associação. Agora, desde que fecharam isso aí, perdemos uma forma de salvar muitos jovens”, disse a idosa.

Uma professora que não quis se identificar disse que ficou surpresa quando soube das acusações ao pastor e à entidade. Segundo ela, o grupo nunca demonstrou nada que sugerisse as irregularidades. “Nossa, eu fico meio decepcionada, porque eles sempre foram muito bons para nós aqui, nunca imaginei essas barbaridades, o que não é certo”, disse.

Segundo o conselheiro tutelar, a ACBT distribuía alimentos e ajudava, com doações, muitos moradores da região. Ele afirma que, por conta disto, muitos vizinhos jamais suspeitavam dos maus-tratos sofridos pelos internos.

“Se foi difícil para nós do conselho acreditar nestas situações tão delicadas que aconteciam lá, imagina para os moradores, que têm vínculo social direto com a associação. Mas a gente tem que destacar e chamar bastante atenção que os fins jamais justificam os meios, que a gente tira os menores de situações negligentes para dar oportunidades com educação, saúde e respeito e não com exploração”, disse o conselheiro Fábio Rodrigues.

[b]Fonte: CO News[/b]

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