Igreja nos Estados UnidosA instituição tem ares de uma empresa e, sob muitos aspectos, se comporta como uma. Mas ela está além do alcance da maior parte das medidas de supervisão e das regras governamentais que se aplicam às empresas – pelo fato de ser uma igreja.

Essa é a “missão de divisão das contas médicas” conhecida como Christian Care Ministry, com sede em Melbourne, na Flórida, a maior entre um punhado de igrejas similares espalhadas pelo país.

E. John Reinhold, que já trabalhou na Campus Crusade for Christ e que é o presidente da missão, explica o conceito de forma simples: “Você soma todas as contas médicas e divide o total pelo número de domicílios que participam do programa. Todos contribuem e você paga as contas”.

Todos os meses, em cerca de 19 mil domicílios distribuídos pelo país, membros da igreja – que precisam ser cristão praticantes recomendados pelos seus pastores – assinam um cheque em nome da Christian Care Ministry. O montante depende do tamanho da família e da parcela de contas médicas que os seus membros estão dispostos a pagar.

E a cada mês, a igreja envia cheques a provedores de serviços de saúde – totalizando mais de US$ 240 milhões desde a sua fundação – a fim de cobrir as despesas médicas dos seus membros. Cerca de US$ 57 milhões foram pagos à igreja no decorrer do seu último ano fiscal.

Reinhold, que criou a Christian Care em 1993, afirma que essa é uma maneira eficiente para os cristãos cumprirem aquilo que é preconizado na Epístola aos Gálatas 6:2, que diz : “Levai as cargas uns dos outros e, dessa forma, cumprireis a lei de Cristo “.

Mas, no decorrer dos anos, algumas autoridades do governo examinaram igrejas como a Christian Care e descobriram aquilo que eles chamariam de plano de saúde não regulamentado. Eles temem que consumidores confusos que procuram cobertura médica barata recorram a esses grupos como se eles fossem companhias de seguro, ainda que tais grupos careçam dos recursos para cobrir os custos médicos.

Esta semana Reinhold terá a oportunidade de defender a sua organização perante um juiz estadual no Estado de Kentucky.

Kentucky foi um dos seis Estados que aprovou leis no início da década de 1990 isentando as igrejas que dividem custos das leis estaduais que se aplicam às companhias de seguro. Mas os regulamentadores do Estado dizem que a organização de Reinhold ultrapassa a isenção permitida pela lei – uma alegação que a igreja da Flórida repele, afirmando que as suas práticas na verdade atendem às exigências estaduais.

A isenção que está sendo testada neste mês em Kentucky é apenas um dentre uma série de arranjos especiais que se aplicam a igrejas e que não estão disponíveis para organizações semelhantes seculares -, isenções cujas raízes remetem à Primeira Emenda da Constituição que proíbe qualquer ação congressual que restrinja o livre exercício da religião ou estabeleça uma religião que conte com apoio oficial.

Benefícios especiais como esse vêm se acumulando em um momento no qual as organizações religiosas de todos os matizes começam a atuar em um leque de novas atividades capazes de concorrer diretamente com empresas e outras organizações sem fins lucrativos que não podem contar com as mesmas isenções.

O Serviço da Receita Federal (IRS, na sigla em inglês) conta com várias regras especiais que se aplicam a grupos religiosos sem fins lucrativos. Segundo essas regras, como integrante da Associação Evangelista Americana, que ordena clérigos e apóia várias missões educacionais e humanitárias, a Christian Care Ministry não precisa apresentar declarações financeiras públicas ao IRS, conforme é exigido das organizações seculares sem fins lucrativos.

O IRS disponibiliza essas isenções a todas as igrejas – incluindo sinagogas, templos, mesquitas e outras formas congregacionais de diferentes fés – , assim como a associações, grupos filantrópicos e planos de aposentadoria vinculados a organizações religiosas; escolas religiosas do primeiro e do segundo graus; missões religiosas que atuam no exterior; e as atividades “exclusivamente religiosas” de qualquer ordem.

A Christian Care Ministry forneceu ao “New York Times” os resultados de auditorias independentes da instituição da qual faz parte e das suas associadas referentes aos anos fiscais que se encerraram em junho passado e em junho de 2005. A nova pré-auditoria reafirmou os resultados de 2005, recomendando a mudança do tratamento contábil dispensado ao dinheiro dos membros da igreja.

Robert Baldwin, o presidente da instituição, afirmou que a modificação ressaltou o fato de que esses pagamentos pendentes não se constituem na verdade em dívidas legais da igreja – conforme sugeriram investigações contábeis anteriores.

A igreja anunciou que as contribuições de membros no ano fiscal de 2006 aumentaram 11% com relação ao ano anterior, após levar-se em conta a mudança contábil. O valor exigido das contribuições mensais foi elevado em março, e novamente em julho. A associação gastou cerca de 17% do cheque mensal de cada membro para pagar custos administrativos. Durante anos, a igreja também pagou quantias especiais para a cobertura de incidentes médicos catastróficos.

A apólice de seguros tem sido adquirida por meio de uma associação filiada na Ilhas Virgens Britânicas, que recebe as contribuições dos membros e remete os pagamentos das despesas médicas.

Glenn Jennings, que até julho era o diretor-executivo do Departamento de Seguros de Kentucky, afirma que foi a política de seguros baseada no exterior que fez com que ele examinasse com atenção especial a situação da igreja. Tal tipo de política parece extrapolar o sistema de contribuição voluntária, assemelhando-se mais à rede formal fornecida por uma companhia de seguros.

Jennings entrou com um processo na Justiça, argumentando que a Christian Care não se qualifica para usufruir da isenção que o Estado proporciona a organizações religiosas. A sua sucessora, Julie Mix McPeak, está dando andamento ao caso, que deverá passar por um julgamento final no tribunal do Estado em 25 de outubro.

Em sua defesa, a igreja argumentou que o fato de ser negada a ela a isenção estadual violaria os direitos à liberdade religiosa expressos na Primeira Emenda.

Não obstante, a igreja eliminou um ponto de atrito com os regulamentadores de Kentucky em 2 de outubro ao cancelar o seu seguro. Baldwin afirmou que a igreja não tomou essa medida devido ao processo, mas sim porque os benefícios não justificavam os custos.

Mas outras dificuldades persistem. O Estado de Kentucky exige que cada domicílio contribuinte envie o seu cheque diretamente à família cujas contas deseja ajudar a pagar, e não a algum escritório central, como ocorre no caso da Christian Care. Mas Reinhold afirma que o seu procedimento é cristalino.

Ele parece não estar preocupado com o litígio em Kentucky. “Passamos por isso oito anos atrás”, diz ele. “Depois, há uma mudança de governo, e outra equipe de políticos assume o comando, e tudo recomeça”.

Fonte: The New York Times

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