É uma medida da confusão na França a respeito do Islã e de seus próprios cidadãos muçulmanos que no furor político em torno da “proibição da burca”, a vestimenta sendo questionada não é realmente a burca, mas a nicab.

Uma burca é um manto que envolve o corpo todo, frequentemente azul, com uma trama em forma de grade sobre os olhos, que muitas mulheres afegãs vestem mas quase nunca é visto na França. A nicab, frequentemente preta, deixa os olhos descobertos.

Mesmo assim, um movimento contra ela teve início quando um prefeito comunista. de perto de Lyon, ganhou força dentro do partido de centro-direita de governo da França e passou a alegar estar defendendo os valores franceses. Muitos na esquerda, por sua vez, dizem estar defendendo os direitos das mulheres.

Uma comissão parlamentar em breve se reunirá para investigar se proíbe a burca – em outras palavras, qualquer traje que cubra grande parte do rosto.

O debate indica a profunda ambivalência a respeito dos costumes sociais mesmo entre uma pequena minoria de cidadãos muçulmanos da França, e o sinal de medo de que os princípios da França de direitos dos cidadãos, igualdade e secularismo estejam sendo minados.

O desconforto dos franceses com a religião organizada, que data da revolução de 1789 e da separação da Igreja Católica Romana do Estado, é agravado por esses costumes estrangeiros, que estão associados na mentalidade ocidental à repressão às mulheres.

Andre Gerin, um legislador do Partido Comunista e prefeito de Venissieux, um subúrbio de Lyon com muitos muçulmanos do Norte da África, deu início ao caso no final de junho, ao iniciar uma moção, assinada por 57 outros legisladores, pedindo a instauração da comissão parlamentar.

“A burca é a ponta do iceberg”, disse Gerin. “O islamismo realmente nos ameaça.” Em uma carta ao governo, ele escreveu: “É hora de assumir uma posição a respeito dessa questão que envolve milhares de cidadãos que estão preocupados ao ver mulheres totalmente cobertas com véu, aprisionadas”.

Poucos dias depois, o presidente Nicolas Sarkozy disse que “a burca não é bem-vinda no território da República Francesa”. Ele não disse como transformá-la em indesejada, ou se pretendia estender as leis existentes que já proíbem lenços de cabeça ou quaisquer outros símbolos religiosos nas escolas públicas.

Para Sarkozy, que defende a participação na guerra afegã como um assunto de direitos das mulheres, “o problema da burca não é um problema religioso”, ele disse. “É um problema de liberdade e de dignidade das mulheres. É um sinal de servidão e degradação.”

Há uma forte suspeita de que Sarkozy, que apoia a liberdade religiosa, esteja fazendo uso político do assunto em um momento de descontentamento econômico e ansiedade social. Mas ele também parece querer restringir formas mais radicais e puritanas do Islã de ganharem terreno aqui.

A imprensa francesa está repleta de artigos de opinião acalorados, gráficos sobre diferentes véus islâmicos, histórias sobre piscinas públicas e a burqini, um traje de banho islâmico que cobre o corpo e o cabelo (mas não o rosto). As mulheres que vestem a nicab, muitas delas francesas convertidas ao Islã, disseram que optaram livremente por cobrir a si mesmas após o casamento. Outras dizem solenemente que estigmatizar ou proibir o véu apenas fará com que mais mulheres o usem, em protesto.

No ano passado, Faiza Silmi, atualmente com 33 anos, teve negado seu pedido de cidadania francesa em parte por trajar o nicab, provocando um julgamento legal sobre trajes pessoais em casa. Em uma entrevista ao “Le Monde”, Silmi disse que optou por vestir a nicab após seu casamento, apesar de até mesmo sua mãe considerá-lo excessivo.

“Não acredite por um momento que sou submissa ao meu marido!” ela disse. “Sou eu que cuido dos documentos e do dinheiro.”

As paixões estão tão acirradas que quando a inteligência doméstica divulgou um relatório dizendo que apenas 367 mulheres na França vestiam o véu completo, isso pareceu não fazer diferença.

Para muitos muçulmanos franceses, toda discussão é um embaraço e uma incitação ao ódio religioso e racial.

M’hammed Henniche é o secretário da União das Associações Muçulmanas de Seine-Saint-Denis, uma federação de organizações não-governamentais. Ele é acima de tudo francês, ele disse, e está atônito.

“Não há nada exceto confusão”, ele disse. “Eles estão falando a respeito da nicab, mas eu acho que o uso da palavra burca em seu lugar não é por acaso. Eles escolheram uma palavra que está associada ao Afeganistão, e isso espalha uma imagem negativa, assustadora.”

“Há leis na França que forçam as mulheres a mostrarem seu rosto, em certas situações, na prefeitura, no banco”, acrescentou Henniche. “As mulheres que vestem a nicab a tiram quando devem. Mas nas ruas, todo mundo é livre. Eles estão martelando essa história para estigmatizar uma comunidade.”

Fonte: The New York Times

Comentários