Brigas, traições, inveja, dinheiro e macumba… Ninguém assistiu à ascensão e queda do ex-presidente Fernando Collor de uma posição mais privilegiada que a da ex-primeira-dama Rosane Malta Collor, que, pela primeira vez, conta os bastidores de uma das mais corruptas presidências da história.

Nascida em Canapi, no sertão alagoano, Rosane casou-se com Collor aos 19 anos de idade, quando ele ainda era um inexpressivo deputado federal por Alagoas. Collor, como se sabe, elegeu-se governador do estado e, três anos depois, atingiu o ápice da carreira de qualquer político – a Presidência da República. Rosane estava ao lado de Collor quando ele subiu a rampa do Palácio do Planalto e, quase três anos depois, também o acompanhava, de mãos dadas, quando ele deixou o governo e entrou para a história como o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment. Rosane Collor nunca contou publicamente o que testemunhou então.

Na semana passada, quinze anos depois, ela rompeu o silêncio. Separada de Collor há três anos, não se sente mais obrigada a ocultar segredos dos tempos de primeira-dama. Em entrevista a VEJA, ela conta detalhes dos momentos mais tensos do governo do marido na ótica de uma ex-esposa. Rosane fala da relação do ex-presidente com o tesoureiro entesourador Paulo César Farias, o PC, conta como ele reagiu às denúncias do irmão, diz que teve medo de Collor tentar o suicídio e detalha as incursões do primeiro-casal no terreno da magia negra.

O depoimento de Rosane revela ainda um lado desconhecido da personalidade do ex-presidente: ciumento, ele mantinha a esposa sob permanente vigilância e, certa vez, chegou a acusá-la de manter um caso extraconjugal. Não eram raras as situações em que, contrariado, tinha explosões de fúria que levaram a mulher a suspeitar de que alguma coisa pudesse estar interferindo em seu comportamento. O casal ficou três meses separado durante a Presidência. Rosane Collor só se nega a falar, por enquanto, de um assunto: o destino dos milhões de dólares que a parceria entre o hoje senador Fernando Collor e PC Farias teria produzido.

“Madame está gastando demais.”

A célebre frase do ex-tesoureiro Paulo César Farias sintetiza as estripulias financeiras que marcaram os quase três anos de governo do ex-presidente Fernando Collor. “Madame’’ era como PC se referia a Rosane Collor. O presidente, como se sabe, caiu – mas Rosane continuou vivendo em grande estilo. Mudou-se para uma casa de 1,5 milhão de dólares em Miami, dirigia um Porsche reluzente e seguiu roteiros turísticos exóticos e caros. Há três anos, porém, a vida de Rosane mudou. Ela foi expulsa da mansão em que vivia com Collor em São Paulo, teve as jóias confiscadas pelo ex-marido e a mesada de 40 000 reais reduzida para uma pensão de 5.200 reais. Rosane encontrou alívio para as dores da alma e do bolso na religião. Virou evangélica, passou a freqüentar a igreja duas vezes por semana e hoje não sai de casa sem a Bíblia. A ex-primeira dama tem buscado energias na fé para o embate que trava com o ex-presidente, nos bastidores e na Justiça, pelo patrimônio que acumularam durante 21 anos de casamento.

Desde que se separou de Collor, em 2005, Rosane luta para ter as jóias e a mesada de volta. Também tenta obter um naco do patrimônio pessoal do ex-presidente. Porém, antes de se casar com Collor, Rosane assinou um documento abrindo mão de todos os bens que o casal acumulasse a partir dali. Outra dificuldade é que, apesar de levar uma vida de alto padrão, o hoje senador Fernando Collor comprovou que sua renda é de apenas 25 800 reais por mês. Com a pensão, além de bancar suas despesas, Rosane também arca com os custos da mansão de Maceió em que vivia com o ex-presidente e onde temporariamente continua morando. Ela tem três empregados e dois seguranças pagos pelo ex-marido, mas agora faz pessoalmente as compras no supermercado. Collor deixou para a ex-mulher um Chrysler ano 1997. Como estava com os pneus carecas, Rosane recentemente os trocou por outros, de segunda mão. Ainda assim, não utiliza o carro porque o ar-condicionado está estragado. Rosane não esconde a suspeita de que o ex-presidente tenha um imenso patrimônio financeiro guardado. Eis a sua aposta.

Confira abaixo a entrevista concedida a revistaVeja:

A saída do presidente Collor e da senhora do Palácio do Planalto, há quinze anos, foi o maior desafio institucional enfrentado pelo país desde a volta à democracia. Como foram os minutos que antecederam aquele momento?
Quando a Câmara dos Deputados votou o impeachment, eu estava na Casa da Dinda. Fernando pediu para ficar sozinho no gabinete presidencial. Não queria ninguém na sala dele. Ele me ligava a cada minuto, a cada voto. Dizia: “Quinha, esse cara jantou aí em casa, falou que votaria contra e acaba de votar a favor”. No último voto, quando viu que não havia mais jeito, ele me disse: “Está perdido”. Pedi para ele ter calma e não fazer nenhuma besteira. Em seguida, determinei a um assessor que não o deixassem só e que o trouxessem para casa.

O que ele lhe disse quando chegou em casa?
Fernando desceu do helicóptero, beijou meu rosto e começou a chorar. Passamos uma noite terrível. Dormimos apenas uma hora. Ele estava destruído. Dois dias depois, voamos até o Palácio do Planalto para a cerimônia oficial da saída da Presidência. Havia manifestantes vaiando e gritando palavrões horríveis. O cerimonial ficou com medo de que arremessassem ovos e tomates. Queriam que saíssemos pelos fundos. Queriam humilhá-lo mais ainda.

O presidente e a senhora embarcaram em um helicóptero e foram para a Casa da Dinda. O que conversaram nesse trajeto?
Fernando me disse que tinha um último desejo. Queria ver uma escola que estava sendo construída nas proximidades da Casa da Dinda. Estávamos sentados no banco de trás do helicóptero. Fernando fez esse pedido. Sem nem consultar o piloto, o ajudante pediu desculpas e informou que não havia gasolina. Fernando chorou. Foi o momento em que ele teve consciência de que não era mais presidente da República.

Entre a saída do Planalto, em setembro de 1992, e a renúncia ao mandato, em dezembro do mesmo ano, passaram-se três meses. Como foi esse período?
Trocamos a noite pelo dia. Dormíamos às 6 horas da manhã e acordávamos à 1 da tarde. Fernando passou esse tempo todo trabalhando em sua defesa. Não saíamos de casa. Passamos a tomar remédios para dormir. Ele perdeu 14 quilos e eu, 10. Também comecei a temer pela vida dele.

Como assim? O presidente pensou em se suicidar?
Fiquei com muito medo de que isso pudesse acontecer. Fernando era muito forte, mas ficou arrasado. Quando ele se levantava para ir ao banheiro, eu ia atrás. Tinha medo de que ele fizesse uma besteira. Havia duas ou três armas em casa. Mandei esconder tudo.

Qual foi o momento mais difícil?
Foi quando o Pedro Collor fez as denúncias contra a gente. Além do caráter político, havia uma questão familiar muito importante em jogo. A mãe do Fernando, dona Leda Collor, morreu por causa disso. Dona Leda tinha pressão alta e tomava remédios controlados.

Pedro Collor desconfiava que o presidente assediava sua mulher, Thereza. A senhora acha que foi essa a razão que o levou a denunciar o irmão?
Não acredito nisso. Eles se desentendiam desde que nasceram. Pedro, assim como Fernando, tinha um temperamento muito forte. Eles simplesmente não conseguiam conviver. Não lembro de um Natal que Fernando tenha passado com a família dele em 21 anos de casamento. Além disso, o Paulo César Farias montou um jornal em Maceió para concorrer com o jornal que pertencia à família do Fernando e era dirigido pelo irmão. Isso deixou o Pedro irado. Ele achava que o Fernando estava por trás do jornal do Paulo César.

E não estava?
Estava. Algumas vezes o Fernando queria colocar uma matéria no jornal e o Pedro não permitia. Ele tinha inveja do irmão.

A senhora e o presidente passaram um período rompidos durante o governo. Collor inclusive fez questão de aparecer em público sem aliança. O que ocorreu?
Aconteceram duas coisas ao mesmo tempo. Fernando passou a reclamar do meu trabalho na Legião Brasileira de Assistência (LBA). Aos 25 anos, comecei a chamar a atenção da mídia. Os artistas gostavam de mim, e dele, não. Ele começou a ter muito ciúme. Ficou maluco quando publicaram uma foto minha de biquíni. Ele era tão ciumento que me ensinou a cumprimentar as pessoas com o braço firme e esticado, para evitar que alguém tentasse beijar o meu rosto.

O presidente, então, nunca desconfiou que a senhora mantinha um relacionamento extraconjugal?
Num certo dia, ele chegou em casa à noite e me disse que havia uma fita na qual eu aparecia falando com um rapaz. Lidei com esse problema com a verdade. A tal fita nunca apareceu. Não havia condições práticas de eu manter um caso extraconjugal. Eu era vigiada 24 horas. Talvez por um minuto isso tenha passado na cabeça dele. Não mais que isso. Mas não foi por esse motivo que ele tirou a aliança. A razão principal foi mesmo o meu trabalho na LBA. Ele queria que eu cuidasse mais da casa. Por isso, passamos três meses separados.

Logo depois da separação, a senhora teve de deixar a presidência da LBA sob denúncias de corrupção. Foi coincidência?
Um dia, ao chegar para trabalhar, encontrei a minha sala de trabalho arrombada. Reviraram todo o gabinete. Até hoje não sei se alguém entrou lá cumprindo ordens do presidente da República. Fui absolvida de todas aquelas acusações.

A senhora disse que o presidente era muito ciumento. Ele a agrediu fisicamente alguma vez?
Não, mas já quebrou uma mesa de madeira após uma discussão. Às vezes nem era só por ciúme. Ele tinha muita raiva do que saía na imprensa. Quando soube que VEJA publicaria a matéria com as denúncias do Pedro Collor, ele deu murros na parede e derrubou tudo o que havia sobre a sua mesa de trabalho. Disse todos os palavrões possíveis. Falou que iria se vingar e que o Pedro pagaria por aquilo.

Collor sempre se declarou um católico praticante. Mas eram fortes os rumores de que ele freqüentava terreiros de macumba. Isso chegou a acontecer?
Aconteceu. Eu e Fernando de fato participamos de trabalhos espirituais. Alguns chegaram a ocorrer na Casa da Dinda, mas eu não gostava muito. Pedi para acabar com isso lá em casa. Aí os trabalhos começaram a ser feitos numa casa vizinha, cedida por um amigo.

Com que freqüência isso ocorria?
Não lembro. Mas recordo que isso se intensificou no último ano de governo, quando começamos a ter mais dificuldades em Brasília.

Havia sacrifício de animais?
Sim.

O presidente participava?
Sim. Mas era uma coisa horrível. Nem gosto de lembrar.

A senhora chegou a freqüentar essa casa?
Fui lá algumas vezes. Eu não gostava de assistir ao sacrifício de animais. Passava mal sempre que via sangue.

Como vocês faziam para freqüentar esses cultos sem chamar atenção?
Era sempre de madrugada.

Qual era o objetivo desses rituais?
Fernando pedia proteção. Pedia que todo mal que alguém lhe desejasse voltasse para a pessoa que o estava amaldiçoando.

O presidente tinha mania de perseguição?
Ele achava que sempre havia alguém querendo prejudicá-lo. Tinha muita raiva da imprensa.

É verdade que o presidente era usuário de drogas?
Ele nunca fez nada na minha frente. Mas houve uma época em que todo mundo só falava disso. Até as minhas amigas começaram a me perguntar. Fernando apresentava alterações de humor muito bruscas. Às vezes, quando ficava bravo, ele dava socos e batia com a cabeça na parede. Uma vez ele quebrou a porta da casa da mãe por causa de um acesso de raiva. Passei a ficar desconfiada. Perguntei-lhe algumas vezes se usava drogas. Ele sempre me disse que não. Como ele gostava muito de beber, achei que poderia ser efeito da bebida.

Como era sua rotina como primeira-dama?
Havia um lado glamouroso que era maravilhoso. Conheci príncipes e princesas, reis e rainhas, viajei pelo mundo e convivi com gente que jamais imaginaria, como a princesa Diana e a Barbara Bush. Mas também havia um lado muito difícil.

Qual é o sabor do poder?
Ter dinheiro não é a mesma coisa que ter poder. Todo o dinheiro do mundo não poderia comprar um jantar com a princesa Diana. Eu já fui recebida em jantar por ela. Na Espanha, fomos hóspedes do rei Juan Carlos, esse que acabou de mandar Hugo Chávez calar a boca. Nos Estados Unidos, fomos hóspedes do George e da Barbara Bush. Ela sempre me mandava cartas e chegou a me enviar um livro que fez para o seu cachorrinho. Ela tinha um carinho especial por mim.

Foi muito difícil voltar a levar uma vida normal depois do impeachment?
Conseguimos dar a volta por cima. Em Miami, pudemos levar uma vida normal. Eu e Fernando dirigíamos o próprio carro. Jogávamos tênis, estudávamos inglês, almoçávamos juntos e viajávamos bastante. Ele montou um escritório num prédio luxuoso, onde costumava passar as tardes.

Leia a entrevista completa na Revista Veja desta semana – Edição 2038

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