A ex-governadora do Rio de Janeiro, Rosinha, não só sabia o que era feito em seu governo, no que se refere à farra de dinheiro público em contratos com ONGs, como assinou decreto, no primeiro dia de governo, em que se responsabilizava diretamente por todos os contratos com essas organizações e com fundações, no governo do estado

A hoje candidata a prefeita de Campos denunciada pelo Ministério Público não só determinava que os contratos passassem por seu gabinete como pedia dados específicos sobre cada um dos acordos. É o que mostra o repórter Dimmi Amora na edição desta quinta-feira em ‘O Globo’.

No dia 1º de janeiro de 2003, Rosinha publicou o decreto 32.624, no qual determinava o cancelamento de todos os contratos com “instituição ou cooperativa, que fundamentam a prestação de serviço aos órgãos e entidades da administração direta e indireta, fundacional e autárquica”. Rosinha ainda deu prazo de dez dias para que todos os órgãos do estado enviassem informações sobre esses contratos para o seu gabinete.

No mesmo decreto, a ex-governadora determina que, a partir daquela data, todos os novos convênios feitos “pelos órgãos da administração direta e indireta, fundacional e autárquica, somente poderão ser firmados, mediante prévia e expressa aprovação do projeto pelo governador do estado (…)”. Além da governadora, os responsáveis pelas áreas também tinham que fundamentar o motivo pelos quais estavam contratando os serviços desse tipo de organização que, em geral, era feito sem licitação.

De acordo com pessoas ligadas à investigação, esse decreto foi o que fundamentou a decisão do Ministério Público de denunciar a governadora por improbidade. Isso porque não havia lei que, antes, determinasse ser necessária a anuência da governadora para a celebração desse tipo de contrato. Somente com o decreto, ela passou a ser a responsável.

Num outro decreto, já em julho de 2003, Rosinha determinou que os órgãos encaminhassem os convênios com dez dias de antecedência, para que pudessem ser analisados por seu gabinete. A governadora ainda incluiu no decreto a exigência de que os convênios observassem a lei, principalmente a 8.666, que rege as licitações. ‘O Globo’ entrou em contato na tarde desta quarta com a assessoria de imprensa da ex-governadora Rosinha Garotinho para ouvi-la sobre essas informações. Mas, até o fechamento da edição, não obteve resposta.

Entidades carentes não viram a cor dos milhões liberados em nome delas

Os recursos desviados dos cofres públicos pelo esquema das ONGs eram destinados a ações de saúde em comunidades carentes, mas não chegaram nem perto de onde deveriam. Em Nova Iguaçu e Nilópolis, na Baixada Fluminense, por exemplo, uma creche e uma igreja evangélica incluídas na lista de beneficiados com verba do governo do estado na gestão Rosinha não viram a cor do dinheiro e funcionam em condições precárias. E há também o caso da Associação Cívica, Cultural e Beneficente Projeto Missões de Vida, que teria recebido R$ 1,7 milhão do governo do estado. O endereço da entidade é na Avenida Pastor Martin Luther King 12.745, na Pavuna. Lá, no entanto, funcionam uma lan house e uma confecção de roupas.

– Nunca ouvi falar dessa instituição. Ninguém da associação apareceu por aqui – disse Luis Alberto Mattos, dono da fábrica de vestuário.

Na Rua Roxo 235/101, no bairro Marapicu, em Nova Iguaçu, fica o Centro Integrado Sol Brilhante (CISB), que, segundo as investigações do Ministério Público, deveria ter recebido cerca de R$ 1 milhão. Localizada no Conjunto Dom Bosco – região dominada por traficantes -, e com instalações improvisadas, a entidade, atualmente, depende de doações para atender 64 crianças, de seis meses a 13 anos, da creche à alfabetização. Telhado à mostra e paredes com rachaduras e infiltrações compõem o cenário desolador. O mobiliário e as instalações elétricas também estão em mau estado de conservação. As divisórias entre a única sala de aula, o berçário, o refeitório e a cozinha são de restos de móveis.

A Igreja Pentecostal Restaurada por Cristo, na Travessa Giovania Santana Drumont 44, casa 1, no Centro de Nilópolis, teria direito a R$ 1,2 milhão. O humilde templo, no entanto, tem capacidade para apenas 40 fiéis, que se acomodam em cadeiras de plástico para assistirem aos cultos às terças e quintas-feiras e aos domingos. Também em depoimento ao Ministério Público, o pastor Sidclei Jacomo disse que recebia de R$ 500 a R$ 1 mil e que esteve na agência do Itaú, em Botafogo, nove vezes em 2006. Ele recebeu ainda das ONGs panfletos sobre saúde para distribuir na igreja e camisetas com alertas contra doenças.

– Sabia que ia dar confusão. Tudo era feito em sigilo. Eu me senti prejudicado. Foi uma falcatrua com a gente. Fazemos um trabalho social para ajudar famílias carentes, com doações de roupas e alimentos – disse Jacomo.

Já Jussara Maranhão, responsável pela Tenda Cabocla Jurema, em Campo Grande, na Zona Oeste, contou ao Ministério Público que assinou apenas um papel em branco que seria para regularizar a situação do templo espírita na Receita Federal. Mas a assinatura, segundo ela, apareceu em cinco cheques, num total de R$ 540 mil. (Colaborou Cássio Bruno).

Próximo alvo dos investigadores são repasses de R$ 165 milhões

O próximo eixo das investigações do Ministério Público em torno do escândalo das ONGs no Estado do Rio abrange as cooperativas que prestavam serviço à Secretaria estadual de Saúde, também contratadas pela Pro-Cefet, a Alternativa Social e a Filipenses, por um total de R$ 165 milhões. A ação civil pública proposta pelos promotores lembra que “coincide o período em que algumas destas entidades figuraram como doadoras de dinheiro para campanhas políticas com o tempo de execução de projetos para o governo”. Uma delas é a Coopersonal, que tinha como sócios dois doadores da pré-campanha do ex-governador Anthony Garotinho à Presidência da República: Luiz Motta Roncoli, representante legal da Virtual Line, e Estefano Bezerra da Silva, representante legal da Inconsul.

De acordo com os extratos bancários a que a investigação teve acesso, foram feitas transferências em um total de R$ 1,4 milhão para a Coopersonal pela Alternativa Social e de R$ 6,8 milhões pela Fundação Filipenses. O MP classifica de “promíscua” a relação entre as cooperativas e as ONGs.

Fonte: O Globo Online

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