Cerca de 2 mil fiéis católicos romanos, muitos deles de ordens religiosas, marcharam pelo centro da Cidade do México no fim de semana, em uma “Peregrinação pela Vida”. Foi um protesto desesperado contra a esperada aprovação de um projeto de lei que legaliza o aborto no início da gravidez na capital mexicana, que eles temem que causará um efeito cascata por toda a América Latina.

Graças à contínua influência da Igreja Católica na região, a comunista Cuba é atualmente o único país latino-americano a permitir o aborto.

Na Nicarágua, mesmo o ex-líder sandinista e atual presidente de esquerda, Daniel Ortega, apoiou no ano passado uma lei restringindo ainda mais as leis para aborto.

Sem causar surpresa, os oponentes do aborto no México receberam com ultraje a proposta da assembléia legislativa da cidade. Jorge Serrano Limón, líder do movimento antiaborto do país, empunhou fetos de plástico nas coletivas de imprensa; legisladores a favor da legalização alegam ter recebido ameaças de morte e a hierarquia da Igreja, liderada pelo papa Bento 16, pediu para que os fiéis rejeitassem a proposta.

“A defesa da vida é um princípio básico do nosso partido”, disse Kenia López, uma legisladora da Cidade do México pelo Partido Ação Nacional (PAN) de centro-direita do presidente Felipe Calderón, ao “Financial Times”. “Nós faremos tudo ao nosso alcance para impedir a aprovação deste projeto.”

O projeto, que redefinirá o significado legal de aborto visando excluir os procedimentos executados nos primeiros 12 meses de gravidez, colocará um fim a um sistema de abortos ilegais que os críticos dizem exercer um custo terrível. Mexicanas com mais dinheiro há muito cruzam a fronteira para os Estados Unidos para encerrar gravidezes indesejadas, mas não há tal opção para os pobres.

“Milhares de mulheres jovens morrem anualmente no México em conseqüência de abortos clandestinos malsucedidos”, disse Jorge Schiaffino, que lidera o PRI, partido de oposição na assembléia da Cidade do México. “Isto precisa acabar.”

Fora da capital, a opinião mexicana sobre o aborto está igualmente dividida, mas as pesquisas de opinião mostram que os moradores da Cidade do México são favoráveis ao projeto de lei em uma proporção de quase dois para um. O equilíbrio político no México também parece assegurar a aprovação do projeto.

O PAN possui apenas 17 cadeiras entre as 66 da assembléia e no máximo, calculou López, conseguiria atrair quatro ou cinco votos dos partidos menores.

Entre os que apóiam o projeto estão simpatizantes do popular prefeito esquerdista da Cidade do México, Marcelo Ebrard, e seu Partido da Revolução Democrática (PRD), com apoio do Partido Revolucionário Institucional (PRI) de um novo minipartido de centro-esquerda, o Alternativa.

Grupos pró-aborto têm lutado nos últimos anos para promover mudanças nas leis de aborto restritivas da América Latina, contestando na Justiça o cumprimento das obrigações em relação aos direitos da mulher segundo tratados internacionais. Mas apesar de várias votações apertadas, nenhum país latino-americano mudou sua política em conseqüência.

Os políticos do PAN seguiram seus pares conservadores nos Estados Unidos ao voltarem suas esperanças de bloquear a lei na suprema corte.

Com apoio de alguns membros de partidos menores, López acredita que poderá reunir os 22 votos necessários na assembléia da Cidade do México para levar a disputa à suprema corte com base de que viola a Constituição.

Alguns analistas disseram que a proposta é uma manobra política para dividir Calderón e a ala conservadora religiosa de seu partido, que controla sua liderança. Seja qual for a verdade, Calderón não exibe o mesmo apetite por batalhas ideológicas como seu antecessor, Vicente Fox, que as travava regularmente contra o antecessor de Ebrad como prefeito da Cidade do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador. Os críticos de Fox diziam que ele se envolveu tanto nestas batalhas que não tinha tempo para as importantes reformas políticas e econômicas que a nação precisava.

Calderón se limitou a deixar implícito que é contrário à legalização do aborto, mas afirmando que respeitará qualquer decisão tomada pela assembléia da Cidade do México sobre o assunto.

Schiaffino nega as acusações de oportunismo. Ele disse que o PRI – que governou o México quase sem oposição por sete décadas antes da vitória eleitoral de Fox em 2000 – sempre lutou pela igualdade para as mulheres: “Nós simplesmente votamos pelo que achamos que é certo, independentemente do partido que esteja propondo a medida”, ele disse.

Fonte: Financial Times

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