O Vaticano defendeu nesta segunda-feira a Conferência Mundial sobre o Racismo realizada em Genebra, mas criticou o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por suas declarações “inaceitáveis e extremistas” ao acusar Israel de “racista”.

A decisão do papa Bento 16 de enviar uma delegação à conferência abriu um novo foco de tensão nas relações da Igreja Católica com grupos judaicos e com Israel.

“Discursos como o do presidente iraniano não vão na direção certa, já que embora não tenha negado o Holocausto ou o direito à existência de Israel, usou expressões extremistas e inaceitáveis”, afirmou o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, à Rádio Vaticano.

O porta-voz ressaltou que a “grande maioria” dos países participou da reunião, boicotada por Israel, EUA, Itália, Canadá, Austrália, Holanda, Polônia, Nova Zelândia e Alemanha.

Muitos dos países que aceitaram participar da conferência apesar do boicote abandonaram a conferência durante o discurso de Ahmadinejad. Mas o Vaticano manteve a sua delegação até o fim.

Lombardi disse que a minuta aprovada na sexta-feira passada é “em si aceitável”, uma vez que foram resolvidos os elementos que haviam originado as objeções. “Por este motivo, é importante continuar a afirmar claramente o respeito pela dignidade de cada pessoa humana contra toda forma de racismo e intolerância”, disse Lombardi.

“Exame de consciência”

Neste domingo, o papa, que faz a sua primeira visita a Israel como pontífice no próximo mês, disse que a conferência era uma iniciativa importante e afirmou que esperava que ela pudesse ajudar a “pôr fim a todas as formas de racismo, discriminação e intolerância”.

Mas, em entrevista publicada neste domingo pelo jornal italiano “La Stampa”, o rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, mostrou que os recentes choques entre o Vaticano e grupos judaicos estão tendo continuidade.

“Ao participar, o Vaticano deu seu aval para o que está sendo preparado lá [contra Israel],” disse Di Segni. “É um sinal de que é difícil de entender, a enésima iniciativa imprudente do pontificado”, afirmou, citando a polêmica reabilitação do um bispo Richard Williamson que negou o Holocausto.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel seguiu a mesma linha. “Todos os países que participaram [da conferência] têm de fazer um grande exame de consciência após o discurso de hoje do presidente iraniano, incluindo o Vaticano”, disse o porta-voz ministerial, Yigal Palmor.

Outros episódios

O pontificado de Bento 16 tem sido marcado por pontos de atrito entre o Vaticano e grupos judaicos. Em janeiro deste ano, a reabilitação do bispo britânico Richard Williamson, cuja excomunhão foi suspensa junto às de outros três bispos tradicionalistas expulsos da igreja nos anos 80, deu origem a uma polêmica que ainda não terminou. Depois de anunciado o perdão papal, foi ao ar uma entrevista em que Williamson negou a extensão do Holocausto.

Segundo ele, os nazistas teriam matado cerca de 300 mil judeus, e não 6 milhões como é amplamente aceito pelos historiadores. Williamson também disse não acreditar que câmaras de gás tivessem sido usadas para matar os prisioneiros judeus nos campos de concentração.

Em meio a uma forte reação internacional, o papa exigiu que Williamson se retratasse, dizendo que negar o Holocausto é “totalmente inaceitável”.

No último dia 26, após ser expulso da Argentina, Williamson pediu perdão pelas declarações sobre o Holocausto, mas não rejeitou o que dissera. Nem o Vaticano nem grupos judaicos aceitaram o pedido.

Dias antes do início da polêmica em torno de Williamson, o cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano, disse que a faixa de Gaza, durante uma ofensiva de 22 dias das Forças Armadas de Israel, assemelhava-se a um campo de concentração.

Em 2007, o papa enfureceu muitos judeus ao suspender restrições a missas em latim com o rito tridentino, que contém uma oração pela conversão dos judeus. A Associação dos Rabinos Italianos decidiu, em resposta à decisão sobre a missa, boicotar as celebrações do dia anual de diálogo inter-religioso entre judeus e cristãos, no dia 17 de janeiro, instituído pelo papa João Paulo 2º como uma forma de combater o antissemitismo.

O processo para a transformação do papa Pio 12 (1939-1958) em santo também é criticado por grupos judaicos, que acusam o líder da igreja durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) de não ter se manifestado publicamente contra a perseguição aos judeus promovida pelo governo nazista. No ano passado, Bento 16, em uma homenagem a Pio 12, insistiu que o antecessor trabalhou silenciosamente nos bastidores para salvar o maior número possível de judeus, mas também determinou o congelamento do processo até que os arquivos do Vaticano do período da guerra sejam abertos aos pesquisadores.

Em março deste ano, o Vaticano divulgou documentos que mostram ordens de Pio 12 para que mosteiros dessem cobertura aos judeus perseguidos pelos nazistas.

O “Memorial das Religiosas Agostinianas do Mosteiro dos Quatro Santos Coroados de Roma” traz a seguinte mensagem: “O Santo Padre quer salvar todos os seus filhos, também os judeus, e ordena que os mosteiros deem hospitalidade a estes perseguidos”.

Autoridades israelenses e grupos judaicos disseram na época que, enquanto os arquivos do Vaticano sobre o papado de Pio 12 permanecem fechados para os pesquisadores, a questão sobre o que o pontífice fez ou não fez para salvar os judeus continua sem solução.

Fonte: Folha Online

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