Pombas e serpentes: para além do paradoxo!

O ensino de Jesus parece sempre estar cheio de paradoxos.

Ele chama à mansidão, e louva a quem tem sede de justiça; ao mesmo tempo em que avisa acerca da ansiedade, enquanto convoca a que se vigie; manda que se ore sem cessar, descansando Nele; que é manso e humilde de coração, ao mesmo tempo em que não veio trazer paz, mas sim espada.

É como curar o mudo e pedir que ele não diga nada a ninguém! Isto enquanto concede uma paz que o mundo não conhece, e faz isto em meio a aflições, exortando a que nosso coração não se turbe jamais, mesmo quando dias horríveis cheguem sobre a Terra, os quais, inevitavelmente chegarão. É como curar o gago e pedir que ele seja discreto!

Por essa razão Ele manda descansar por completo, ao mesmo tempo em que manda vê-Lo em todas as carências desta vida. Manda que se deixe tudo por amor a Ele, enquanto condena quem abandona o seu próximo. Perdoa a quem deve tudo, e é rigoroso com quem é medroso. Aceita a maquiagem das meretrizes, mas é implacável com a mascara dos fariseus. Chama a Si mesmo de Semeador, mas não hesita em secar uma figueira. Diz que não veio trazer paz, mas manda em que cada lugar que se chegue, ali se diga: Paz seja neste lugar! É como chegar andando sobre as águas no escuro e dizer “não temas” quando todos gritam “é um fantasma”. Isto tudo de leve, deixando muito material de fora.

Agora, só mais um aparente paradoxo: pombas e serpentes. Ele manda ser simples como pombas e prudentes como serpentes. E diz isto num contexto de envio de discípulos para a “existência”. Pombas e serpentes! Que estranho híbrido existencial! Ser e ter sabedorias de pombas e serpentes é algo como poder voar e descer sem provocar nada em ninguém, capaz de convívio social, andando com simplicidade entre os homens; ao mesmo tempo em que se sabe que o perigo tem muitas faces, e que o diabo se veste de anjo de luz, e que toda simplicidade tem que ser apenas o escudo da prudência, pois, se serpentes pudessem ser vistas como pombas, certamente prefeririam.

E isto não deve ser algo armado, pensado, cogitado, premeditado, e deliberado. Jesus ensina que é para Ser assim. Ele diz “Sede, pois,…”; transformando tal imagem num mandamento existencial.

Na realidade eu creio que toda essa sensação de paradoxo que nos vem do ensino de Jesus, tem somente a ver com nossa incapacidade de simplesmente crer. Ou seja: quando se crê, então, o paradoxo faz a sua síntese, pois, sem fé, nada faz síntese neste mundo. E o que aqui digo nada tem a ver com categorias de natureza filosófica, e nem expressa minha convicção acerca de qualquer filosofia. Para mim, por paradoxo, quero dizer aquilo que aparenta estar em estado de paralelismo constante, andando ao lado, porém sem encontro, sem vértice de relacionamento. E por síntese quero dizer aquilo que reúne os diferentes a fim de criar algo em si. Somente isto e nada além disso.

Portanto, voltando ao que dizia, afirmo que somente a fé realiza a possibilidade do ensino de Jesus se tornar algo Uno em nós. Para Jesus tudo volta para “uma só coisa”. Essa “uma só coisa” é o espírito do Evangelho, que é amor sábio e sabedoria amorosa; que desígnio em todo bem, e falta de maquinação no olhar; que é bondoso sempre, mesmo quando derruba as mesas; que é intolerante com a intolerância; que é condescendente com os misericordiosos; que é implacável com os implacáveis e generoso com os generosos; que dá a vida por escolha, mas que não a entrega por covardia; que evita o perigo conforme seu interesse, mas que não foge à “hora” quando ela é chegada.

Ora, esse espírito do Evangelho não pode ser engarrafado. Não é o gênio da lâmpada. E Jesus não é Aladim. Embora, em Seu Nome, milhares e milhões de ladrões religiosos se tenham refugiado na história. Sim, não dá para ensinar esse espírito, assim como não se podia vender o Espírito Santo para o mágico de Samaria. O espírito do Evangelho é o espírito da Palavra. Jesus disse: “As minhas palavras são espírito e são vida”. Com isto Ele não queria dizer que quem conhece línguas originais, como grego e hebraico, têm melhor chance de conhecer a Deus, ou mesmo a Sua Palavra.

A Palavra não é objeto de exegese, mas apenas de iluminação. Pode-se fazer exegese de palavras, mas jamais da Palavra. A Palavra é espírito. E espírito não é algo que se ensine. Espírito é algo que se pega, que se imiscui em nós, que é em nós, e que se torna nós. Assim, quem labora pela filosofia e pela teologia a fim de encontrar a Deus, trabalha na de antemão malfadada tentativa de fazer exegese de espírito; pois, a alternativa, é dizer que se está trabalhando no IML das santas e mortas palavras.

Somente no espírito se pode apreender o paradoxo, pois, o espírito é justamente aquilo a que chamamos paradoxo, sendo que a sua síntese nós chamamos de eu.

Nele, em Quem o que é vivo, vive,

Caio

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