A Igreja Católica está perdendo os seus fiéis para outras religiões em Belém, principalmente para as evangélicas. É o que se constatou em uma pesquisa feita por estudantes do curso de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará (Uepa), realizada nos meses de outubro e novembro de 2005.
Entre as igrejas que mais crescem em detrimento ao Catolicismo estão a Assembléia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus. A pesquisa foi apresentada na última terça-feira, dia 23, na 11ª edição da Semana Acadêmica do Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Uepa e já vem causando polêmica entre católicos e evangélicos.
Coordenada pelo professor mestre Mário Brasil, a pesquisa ‘Mobilidade religiosa em Belém: uma leitura sobre as novas formas de crer na religiosidade da Amazônia’ expõe o comportamento do belenense no tocante a fé. Segundo o estudante e pesquisador Devison Amorim, que participou do estudo nos meses de outubro e novembro do ano passado, a Igreja Católica perdeu cerca de 13% dos seus adeptos, enquanto que as demais instituições religiosas cresceram em 17% na capital paraense.
O levantamento foi feito em oito igrejas, envolvendo 320 fiéis da Assembléia de Deus, Hare Krishna, Católica, Igreja Maranata, Evangelho Quadrangular, Igreja Messiânica, Igreja Universal e Centro Espírita Ivon Costa. A Assembléia de Deus abrangeria cerca de 10% das migrações, enquanto a Universal 5% e a Evangelho Quadrangular 3%.
Razões
‘Um dos motivos para a migração é o alcance de graças. Busca-se na nova religião alcançar algo que não se conseguiu na antiga religião. Esse é o principal fator. A questão da acolhida dos fiéis também é importante. Eles vão para outras religiões buscar ambientes, onde se sintam à vontade. Em terceiro vem a busca por respostas à existência no mundo’, detalhou Devison Amorim.
As mulheres são as que têm mais coragem de mudar, correspondendo à maioria das migrações entre os 34,8% dos entrevistados que adotaram novas crenças espirituais. Os demais (69,6%) permanecem nas suas antigas religiões. ‘Há um aspecto interessante em que alguns entrevistados freqüentam cultos de duas ou mais igrejas. Elas ainda não se decidiram onde vão ficar. Estão em busca de respostas. A escolha é de acordo com o resultado que elas obtêm’, continuou Devison.
O estudante da Uepa afirma que a mobilidade religiosa constatada na pesquisa começou há quase 30 anos. A tendência é que ela se intensifique mais. Porém Devison acredita que o catolicismo é ainda muito forte em Belém e também no Brasil, apesar das mudanças constantes.
Atendimento
O padre Ronaldo Menezes, da Arquidiocese de Belém, acredita ser provável a perda de fiéis da Igreja Católica, mas nada que provoque susto ou receio. ‘De fato, as pesquisas apontam para uma evasão de fiéis para algumas igrejas pentecostais e neopentecostais, mas também identificam uma migração de fiéis entre essas mesmas igrejas. Outro dado indica que parte desses fiéis retorna à Igreja Católica’, destacou, baseando-se em outra pesquisa publicada recentemente pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris).
Sem constituir propriamente uma reação católica, a Igreja em Belém tem se empenhado em algumas frentes para melhor atender à comunidade, criando novas paróquias nas áreas periféricas da cidade, preparando leigos para novos trabalhos de evangelização nessas áreas, através do Centro de Cultura e Formação Cristã, e reciclando catequistas.
Segundo o padre Ronaldo, no ano passado a Igreja Católica ordenou 20 novos diáconos permanentes e está preparando uma nova turma de candidatos, promoveu um curso sobre a situação religiosa na cidade com pesquisadores da PUC-RJ.
Experiência familiar
Kelly e Ulisses de Jesus, de 36 e 38 anos, respectivamente, são adeptos da Igreja Batista há dois anos. Eles viviam em constante crise familiar e sem qualquer crença religiosa até receberem um convite de amigos em comum para assistir a um culto evangélico da Igreja Batista. ‘O meu marido era católico não-praticante e eu espírita. Passamos por uma crise conjugal e dois amigos nossos levaram a gente até lá. Participamos dos cultos e nos identificamos muito com a igreja. Foi onde a gente se encontrou. Sentíamos aquela necessidade de seguir a Deus. Estávamos muito afastados’, disse a bibliotecária Kelly de Jesus.
A atenção dada à família e o trabalho social desenvolvido na Igreja Batista a agrada bastante, além de outros fatores, como explicou. ‘Como o padre pode ajudar uma família se ele não viveu a experiência familiar? A minha opinião é essa. O pastor tem família, tem filhos’, justificou Kelly, que chegou a acompanhar o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, uma das festas paraenses católicas mais tradicionais.
Busca por respostas rápidas
Apesar da notória falta de sacerdotes para os seus trabalhos, a Igreja Católica não pode abreviar o tempo de estudos acadêmicos dos seus candidatos, conforme explicou padre Ronaldo Menezes, ‘preferindo uma formação séria e sólida tanto nas Ciências Humanas quanto nas áreas bíblica e teológica’.
Padre Ronaldo acredita que a opção de ex-adeptos do catolicismo pelas religiões evangélicas pode estar relacionada a problemas enfrentados no cotidiano. ‘As pessoas querem respostas rápidas e fáceis, sem nenhum comprometimento com a fé em Jesus Cristo, como a Igreja Católica prega e espera. Muitas dessas igrejas prometem riqueza e cura de doenças. Não vamos prometer coisas que não correspondem à prática da fé’, prosseguiu.
A falta de conhecimento da doutrina Católica também pode levar a novas escolhas, na visão do padre, o qual pensa haver uma propagação de uma nova espiritualidade ou religiosidade, que pouco tem de cristã, mas com fetichismo, contrária à fé cristã, de forma que a Igreja Católica não pode aceitar isso na vida das pessoas. ‘A Igreja Católica tem uma doutrina seguramente sólida, de uma tradição religiosa reconhecida como um dos maiores patrimônios da humanidade e isso lhe dá credibilidade e faz com que se pense duas vezes em se fazer uma comparação entre ela e aquelas que pregam uma doutrina com facilidades e fé barata, promocional, que não corresponde ao desejo de Jesus Cristo’, defendeu.
Orientação batista
Depois que passou a freqüentar a Igreja Batista, Ulisses de Jesus afirmou que viveu uma mudança radical para um católico que não ia à missa. ‘Vivia num mundo de bebidas, farras, apegado em dinheiro. Pensava que isso era tudo’, confirmou o comerciante.
Ele confidenciou que não conhecia nada do catolicismo, apesar de ser batizado nesta fé. ‘Não freqüentava a igreja. Fui muito pouco quando criança. Era um católico não praticante mesmo. Eu me identifiquei com a Igreja Batista e acabei ficando por lá’, relatou.
Ulisses acha que na Católica talvez não exista um trabalho tão forte com os fiéis, o que poderia estar contribuindo para a migração a outras crenças. ‘A Igreja é igual a uma loja: quando você é bem tratado, você retorna. Na Batista a gente se sente importante e só ganha com isso’, argumentou. Para ele, o pastor sabe orientar os casais nos momentos de crise por já ter uma família, ao contrário do sacerdote católico. ‘Esse era o nosso principal problema’, reforçou Ulisses .
Assembléia atraiu milhares
Apontada como a igreja evangélica que mais cresce em Belém, a Assembléia de Deus ganhou no ano passado mais 3.424 adeptos, ultrapassando a marca de 73 mil componentes. O pastor e responsável pela Assessoria de Comunicação da Assembléia de Deus em Belém, César Vasconcelos, acredita nesta expansão. Segundo o pastor, a longa história da instituição, fundada na própria capital paraense em 1911, e a pregação daquilo que a ‘Bíblia’ ensina são fortes motivos para o crescimento da Assembléia de Deus. ‘Existem várias religiões. A ‘Bíblia’ diz que existe um só Deus e prega somente isso. As religiões acabam não sendo tão incisivas. Eu diria que a Assembléia prega a essência do Evangelho. Quem tem essa experiência de transformação não muda’, explicou pastor César. A forte presença da Igreja Pentecostal, com mais de 370 templos em Belém, reforçariam o apelo à conversão.
O pastor também acha que são muitas as pessoas frustradas emocionalmente, independente de perfil socioeconômico, o que as levariam a procurar por um apoio espiritual maior na Assembléia. ‘A tendência é crescer. A nossa preocupação é evangelizar e os templos estão abertos o dia inteiro. Aqui na sede (avenida Governador José Malcher, bairro de Nazaré) realizamos cinco cultos por dia. Temos trabalhos voltados para todas as idades’, destacou o pastor, citando também a arrecadação de alimentos não-perecíveis para famílias de baixa renda. Em 2005, foram construídos em Belém 12 novos templos.
Fonte: O Liberal